Já está disponível a série The Underground Railroad no canal de streaming da Amazon, realizada por Barry Jenkins, o realizador de Moonlight. O que o livro tem de fantasia, é aqui apresentado em tons mais sombrios, com alguns episódios mais chocantes no primeiro episódio que se demora na descrição da vida dos escravos na plantação.
Relembro a recensão que fiz em tempos sobre o livro A Estrada Subterrânea, de Colson Whitehead, autor publicado pela Alfaguara.
Cora é uma jovem escrava que nasceu numa plantação de algodão e apesar de nunca o ter ponderado é confrontada com a possibilidade de escolha quando Caesar lhe propõe fugir. Cora diz que não à primeira, sendo essa recusa automática a voz da avó dela, Ajarry, a falar em si. Lemos depois como Ajarry viu o mar pela primeira vez, quando é levada para as masmorras onde mulheres e crianças raptadas nas aldeias de África esperavam pelos barcos que as levariam para as Américas. Durante o seu percurso Ajarry será vendida por várias vezes, passando de uns negreiros para outros; tenta matar-se por duas vezes, na travessia do Atlântico; é marcada por várias vezes, como uma peça de gado; e o seu preço vai flutuando ao sabor do mercado, até porque há excesso de raparigas na altura, até ser vendida por duzentos e noventa e dois dólares.
Três semanas mais tarde, quando Caesar lhe volta a falar num caminho de fuga Cora acaba por dizer que sim, e dessa vez sente que é a voz da mãe, Mabel, a falar por ela, a única escrava que terá conseguido fugir da plantação.
Cora é uma personagem intrigante. Se ao início julgamos que é louca, como os restantes escravos a consideram, assistimos depois a um crescendo da personagem. Cora aliás percebe claramente a verdadeira razão por trás do convite de Caesar para o acompanhar na sua fuga: «- Achas que sou uma sortuda encantadora porque a Mabel fugiu. Mas não sou. Já me viste. Já viste aquilo que nos acontece quando temos ideias na cabeça.» (p. 64).
Cora guarda rancor à mãe que para poder fugir a terá abandonado aos dez ou onze anos (pois todos sabem que os pretos não faziam anos, simplesmente escolhiam um dia para celebrar o seu aniversário) e procura agarrar-se à única coisa que tem: um pedaço de terra de três metros quadrados onde a avó cultivava nabos e inhames.
Leave a Comment