Começou de forma muito suave e com qualquer coisa de Hillary Clinton, quando o adultério do marido, figura pública, é notícia. Desde então ao longo de 7 temporadas, e numa luta constante de avanços e retrocessos, onde também perdeu muito, Alicia Florrick torna-se numa excelente advogada, quando antes era uma dona de casa que abdicou do seu trabalho e dos seus sonhos logo no início em nome da carreira ascendente do marido e dos dois filhos. No último episódio transmitido a série está de regresso em força, depois de claramente se ter arrastado num passo mais lento e sem tantos cliffhangers como nas temporadas anteriores. Apesar de constantes jogos verbais e diálogos e discussões que mais parecem o Falstaff com várias vozes em ponto e contraponto, uma das coisas mais fascinantes em The Good Wife é a forma como a essência reside no não dito. Como acontece em especial com Alicia. Muitas vezes sentimo-la como um autómato, uma mulher a lutar pela vida e por uma carreira e por uma família – pois nunca abandona o emplastro do marido que depois irá concorrer às presidenciais -, mas imbuída de um forte código de moral que não a torna disposta a tudo para ser bem sucedida. E é tão simplesmente pelo olhar que tentamos perceber o que se passa realmente naquela cabeça. Neste último episódio, onde o passado regressa em força de várias formas, a personagem finalmente rebenta em lágrimas – penso que pela primeira vez, depois de tudo o que lhe tem acontecido, nomeadamente a reputação do marido e a sua vida como tema de telejornal até ter perdido o amante numa das mortes mais inesperadas dos últimos anos de séries televisivas – pois isto não é propriamente o Game of Thrones onde morre sempre alguém a cada final de temporada. Aqui o jogo de cadeiras é outro e sempre bem conseguido com casos jurídicos que retratam bem os dilemas da América e que perspectivam claramente opiniões em conflito mas que são muitas vezes igualmente válidas. Finalmente também sentimos como Alicia Florrick se volta a aproximar de Agos e Lockhart, pois até agora o malabarismo para tentar conseguir juntar estas duas histórias paralelas tem sido cada vez menos bem sucedido. E depois de nos últimos episódios se ter comportado como uma adolescente amuada, com o facto de a perda que sofreu se ter agravado por uma revelação inesperada e que coloca tudo em causa, há um segundo beijo (e um terceiro), porque afinal Alicia também é uma mulher, não tão autómata ou perfeita como as Stepford Wives, ou a Bree de Desperate Housewives, que continua a procurar uma segunda oportunidade no amor. Esta será pelos vistos a última temporada de uma série que sabe não arrastar – ainda que ultimamente tenha andado a pé coxinho – mas parece que se avizinha um final em grande onde tudo encaixará no seu devido lugar.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.