Requiem para o Navegador Solitário, de Luís Cardoso, publicado em 2007 (Publicações Dom Quixote), constitui uma crítica velada ao colonialismo por um autor em situação de diáspora, numa espécie de exílio autoimposto.

Este é um dos poucos livros do autor, dos publicados pela Dom Quixote, que ainda se pode encontrar à venda – no Natal comprei uns 3 para oferecer.

Esta obra cria uma crítica sociopolítica velada, o que resulta numa tessitura narrativa complexa, aberta a múltiplas leituras, e com recurso à alegoria, que plurivocaliza o romance. Alegoria aqui configurada na protagonista Catarina, personagem híbrida que simboliza um encontro de culturas, oferecida em casamento como um objeto (equiparada à gata de jade), enviada para um país que desconhece no qual ascende socialmente, mas onde é também alvo de críticas, tendo como missão resgatar a grandeza passada de uma fazenda de café. Uma mulher abandonada pelo noivo prometido e explorada sexualmente, sendo o seu corpo uma metáfora dos abusos do colonialismo, e que nos escreve as suas memórias, ou diário de bordo, num veleiro.

Catarina, jovem mulher com os olhos fitos no mar numa espera saudosa de um navegador que há de surgir, representa a ânsia portuguesa de partir e descobrir mundo, e, paradoxalmente, a deriva de Timor como colónia, à espera de uma governação que nunca chega. Esta obra é perpassada por um sentimento de deriva configurado de diversas formas: o esquecimento a que Timor é votado; a constante alusão ao território timorense como uma espécie de colónia penal, evidenciado por uma galeria de personagens deslocadas; a neutralidade (parcial) de Portugal durante a II Guerra Mundial, na narração de outro horizonte omnipresente da narrativa que se concretiza no final do livro, a invasão de Timor pelos japoneses.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.