A. S. Byatt nasceu em Yorkshire, em 1936, e em 1972 tornou-se professora de literatura inglesa e americana na University College em Londres. Tem poucas obras publicadas em Portugal mas é sobejamente conhecida pelo romance Possessão, vencedor do Booker Prize em 1990, publicado em 2010 pela Sextante, e adaptado a filme.
Ragnarök – O Fim dos Deuses é mais um título a integrar a colecção de Mitos da Elsinore, originalmente publicada pela editora Canongate. Já aqui se apresentaram outros títulos desta colecção, como A Odisseia de Penélope ou O Mel do Leão, de autores igualmente aclamados. São livros de capa dura, belamente ilustradas por Lorde Mantraste.
A narrativa, a não confundir com um romance, é contada a partir da perspectiva de uma «criança magra», cujo sexo nunca é designado, que devora histórias com grande avidez, durante a noite com uma lanterna sob os lençóis, e que descobre dois livros que a marcam particularmente, Asgard e os Deuses e O Caminho do Peregrino. É a partir dessas histórias que nasce em si o desejo de escrever, num mundo ele próprio perto do fim, quando as bombas da Blitz arrasam a cidade de Londres, e o pai da criança desapareceu. São estes os elementos de Ragnarök que se percebem autobiográficos, enquanto a autora recria de forma poética os mitos nórdicos do Crepúsculo dos Deuses – como em Wagner – e cria um paralelismo entre esse fim dos tempos e a destruição dos recursos do planeta pelo homem.
O livro, originalmente publicado em 2011, reflecte seriamente sobre a sensação de fim dos tempos que se vive na nossa contemporaneidade, pois esta criança que vivia no campo, apesar do espectro dos bombardeamentos aéreos e de se fazer acompanhar de uma máscara de gás, lê agora (em adulta), todos os dias, sobre «uma nova extinção, o branqueamento dos corais, o desaparecimento do bacalhau que a criança magra pescava à linha no Mar do Norte, numa altura em que os peixes abundavam. Leio sobre projetos humanos que destroem o mundo, poços de petróleo habilidosa e avidamente construídos em águas profundas, uma estrada atravessando as rotas de migração no parque do Serengeti, o cultivo de espargos no Peru, balões de hélio para transportar as colheitas de forma menos dispendiosa, emitindo menos carbono, enquanto as próprias explorações agrícolas esgotam perigosamente a água que alimenta os vegetais, os seres humanos e outras criaturas. (…) Quase todos os cientistas que conheço acreditam que estamos a forjar a nossa própria extinção a um ritmo cada vez mais acelerado.» (p. 142) Foi aliás notícia, recentemente, a percentagem assustadora de espécies animais que se extinguiram devido à acção humana nas últimas décadas…
Neste livro inclui-se uma nota da autora, intitulada «Pensamentos sobre os mitos», que faz luz sobre esta obra e o porquê de ter sido este o mito a recriar escolhido pela autora, professora durante largos anos da disciplina «Mito e Realidade no Romance». Podemos alegar que os mitos, bíblicos ou gregos, não têm o fôlego dos grandes romances, mas é também nas linhas das grandes obras da literatura que perpassam diversos ecos míticos; da mesma forma que os heróis míticos não se comparam com personagens de romances, pois faltar-lhes-ia serem dotados de verdadeira densidade psicológica; antes parecem joguetes nas mãos dos deuses, eles próprios tão caprichosos e incautos como crianças. O único deus nórdico que merece alguma simpatia por parte desta crítica literária e romancista é Loki, o endiabrado irmão de Thor, o único deus inteligente e trocista, mas também irresponsável e caprichoso como os demais.
A. S. Byatt entretece estas questões complexas nesta preciosa nota, de como os deuses nórdicos são «peculiarmente humanos (…) porque são limitados e pouco inteligentes. São gananciosos, divertem-se a lutar e a brincar. (…) Sabem que o Ragnarök está a chegar , mas são incapazes de imaginar uma forma de o evitar ou de mudar a história. Sabem morrer destemidamente, mas não sabem tornar o mundo melhor.» (p. 144). A autora explica, em suma, como escolheu o mito nórdico de Ragnarök porque este representa o último de todos os mitos: «o mito que põe fim aos mitos, o mito em que os próprios deuses são destruídos» (p. 140).

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.