Primavera, de Ali Smith, é o terceiro volume do ciclo das quatro estações que tem vindo a ser publicado pela Elsinore. Numa prosa experimentalista e lírica, cristalina e actual, a autora tece uma análise dos temas mais prementes destes últimos anos. Este é também o livro mais negro dos quatro, a começar pelo modo como, a páginas tantas, o leitor se aperceberá que uma das personagens se procura matar.

Em Outubro de 2018, um homem farto de histórias encontra-se numa estação de comboios. Richard Lease é um realizador (já não muito) conhecido de televisão e cinema, prestes a perder uma colega e amiga, Paddy, mulher que muito admira e que a certa altura lhe disse que é a forma que a narrativa adquire que nos pode salvar destes tempos. Doubledick (como Paddy o apelidou) vive entre as memórias da amiga e as conversas imaginárias com uma filha que, paradoxalmente, nunca procurou conhecer e que, na cabeça dele, tem 11 anos dá duas décadas.

Na segunda parte, conheceremos Brit, ou Brittany Hall, que trabalha num centro de detenção de imigrantes, cujo trabalho a começa a desgastar – e não é por acaso que o seu nome pode ser associado ao da Bretanha. Uma manhã, a caminho do trabalho, conhece Florence, uma criança incomum, que toda a gente parece conhecer e a quem prontamente obedecem, que a faz partir numa viagem de comboio mirabolante ao norte de Inglaterra: «A rapariga é uma espécie de pessoa ou coisa extraída de uma lenda ou história, do tipo de história que por um lado na realidade não é sobre a vida real mas por outro é a única forma de realmente se chegar à compreensão mínima da vida real.» (p. 277)

Esta Primavera é assim uma estação de magia e esperança: «Estamos a tentar mudar o impossível, a deslocar as coisas um centímetro de cada vez na distância de milhares de quilómetros que ainda nos separa do possível, e, acredite em mim, há um milhão de pessoas (…) dispostas a ajudar.» (p. 244)

Ali Smith nasceu em Inverness, Escócia, em 1962, e vive atualmente em Cambridge. Autora de romances, contos, peças de teatro e crítica literária, recebeu importantes prémios literários, como o Costa Book Award. Foi várias vezes finalista do Man Booker Prize.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.