Ler este livro é como ler um esboço de Cem Anos de Solidão. Gabriel García Márquez, em Viver para Contá-la, não refere este autor italiano, nascido em Pisa (1943-2012), como uma das suas leituras de formação, mas este romance de estreia de Tabucchi lembra muito o realismo mágico de Gabo. Na Praça de uma aldeia toscana junto ao mar, onde se vive o tempo de uma nação, assiste-se ao cair da monarquia e ao erigir da democracia, com duas guerras pelo meio. A acção dá-se em saltos, onde o capítulo seguinte tanto pode retomar o fio da narrativa, como nos levar para o futuro ou para o passado, enquanto no decurso de três gerações, com nomes como Garibaldo, Quarto, Volturno, ou Melchior, passamos de avô para filho para pai, sendo que os próprios nomes das personagens se repetem em estranhas revivescências, numa família que «troca as voltas ao tempo» (p. 87). O tema do duplo está ainda implícito no patriarca Plínio que tem duas vezes gémeos.
E tal como acontecia na Macondo dos Buendía, os acontecimentos mágicos invadem toda a aldeia, pelo que quando uma bomba estilhaça todas as janelas da aldeia, é mais natural assumir que estas se libertaram das dobradiças e partiram em voo como um bando de gansos selvagens. Como se indica logo no início esta é uma «Fábula popular em três tempos, um epílogo e um apêndice», escrita em 1973 e publicada dois anos depois.
O livro começa pelo fim para depois nos levar novamente até ao princípio, sem perder a capacidade de chocar com um fim anunciado e com a surpresa de uma reviravolta anunciada apenas no final e que confirma como os horóscopos não são fáceis de enganar mesmo que se adiem os prognósticos.
António Tabucchi ensinou em várias universidades de Itália, publicou 27 livros, entre o romance, o ensaio e contos, escreveu um romance em língua portuguesa, Requiem (1991), traduziu para italiano a obra de Fernando Pessoa, que é também protagonista de Os últimos três dias de Fernando Pessoa (incluído numa reedição de 2015 que integra três pequenas obras), em que se narra a morte de um dos nossos maiores poetas. A sua obra tem sido cuidadosamente reeditada pela Dom Quixote, como aconteceu com a belíssima edição do livro sobre os Açores, Mulher de Porto Pim (2016), com capa dura e em pequeno formato.
Hoje, dia 10 de Abril, a Dom Quixote publica ainda Autobiografias Alheias, um livro que aparenta ser uma auto-reflexão sobre algumas das principas obras do autor e que dá continuidade a alguns dos principais temas tabucchianos. É curiosa a coincidência, uma vez que na Fundação Calouste Gulbenkian, a vida e obra de Antonio Tabucchi estão em destaque, seis anos após a sua morte.
A exposição «Tabucchi e Portugal» está patente de 8 de Abril a 7 de Maio, com dois dias de intenso debate, um filme, um documentário, leituras musicadas e ainda uma exposição iconográfica e documental que compreende manuscritos, documentos, fotografias e outros objetos do acervo familiar do autor, bem como de excertos de entrevistas suas a Maria João Seixas ou Mega Ferreira.