Piranesi, de Susanna Clarke, agora publicado pela Casa das Letras, é o muito aguardado segundo romance da autora de Jonathan Strange & Mr Norrell, publicado há mais de 15 anos e adaptado a série televisiva. Depois de entrelaçar um romance de estilo vitoriano com uma história de fantasia e magia, em Jonathan Strange & Mr Norrell, Susanna Clarke volta ao mistério e à fusão de géneros. Escrito em registo de diário, com entradas tão meticulosas e rigorosas quanto enigmáticas para o leitor, como quem quer impor alguma ordem no enigma que é a sua vida, um indivíduo que pensa ter cerca de 35 anos, vive isolado numa casa. Piranesi apenas conhece uma outra pessoa, justamente baptizado como o Outro, que aparece às terças e sextas‑feiras, a quem auxilia no estudo do Grande Conhecimento Secreto.
A primeira parte do romance estende-se, sinuosamente, enredando sem pressa o leitor neste enigma, de um homem que habita numa casa invulgar que parece ser uma alegoria ou um fragmento, uma ruína, de um mundo apocalíptico com quem Piranesi dialoga todos os dias. Piranesi conduz-nos ao longo de um infindável labirinto de salões, em que nunca se perde, com corredores sem fim, milhares de estátuas que se alinham pelas paredes, todas elas diferentes, todas carinhosamente apelidadas pelo habitante dos salões, onde irrompem marés pelas escadas acima e as nuvens deslocam-se em lenta procissão pelos salões do piso superior. No entanto, percebemos nós, face a esta estranheza, e o próprio Piranesi, que apenas encontra dez diários sobre os últimos 5 anos da sua vida (sem saber o que aconteceu com os outros 30 anos) que alguma coisa não está bem, enquanto continua a escrever para um tu, a «décima sexta pessoa» da Casa, a contar com as estátuas.
«E Tu. Quem és Tu? Para quem estou eu a escrever? Serás Tu um viajante que enganou as Marés e atravessou os Pavimentos Caídos e as Escadas Apodrecidas para chegar a estes salões? Ou, talvez, sejas alguém que habita os meus próprios Salões muito depois de eu ter morrido?» (p. 24)
É um livro enigmático, desconcertante, já descrito como um épico do género fantástico ou uma fantasia filosófica, ou até, como se pode ler no próprio texto, uma descrição de um esgotamento nervoso visto do interior» (p. 254). Pode desencorajar alguns leitores (não me seduziu particularmente). E infelizmente, apesar de haver dois tradutores, e um revisor naturalmente, o livro está pejadíssimo de gralhas. Há aliás um possível erro que me parece crasso, e que contribuiu em muito para a minha confusão, quando, na página 157, há um «ele» que passa a ser uma «ela»…
Espero que outros leitores possam aqui contradizer-me e fazer-me repensar os méritos deste livro, que para mim ficou muito aquém do anterior e da expectativa que fui criando, confesso.
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