Se há livro cuja leitura se revelou bastante adequada a estes estranhos tempos que vivemos, não hesito em apontar este livro que é já um clássico. O último livro de Italo Calvino publicado em vida (cuja obra é editada entre nós pela Dom Quixote) parece representar uma indagação filosófica em torno de um sentido para o mundo, para as coisas do mundo, para o sentido de nós próprios no mundo. Com uma estrutura rigorosamente delineada, a narrativa reparte-se em 3 partes, que por sua vez se subdividem em 3 secções ou capítulos, que por conseguinte também se dividem de forma tripartida.
O senhor Palomar é um homem nervoso, tenso e inseguro, ou não vivesse ele num «mundo frenético e congestionado» (p. 15), apesar de tentar manter as suas sensações sob controlo e reduzir ao máximo as suas relações com o mundo exterior. Mas é também no mundo exterior que ele procura um sentido para o mundo – e não é por acaso que tem o nome de um famoso observatório da Califórnia, hoje conhecido como telescópio Hale – a partir da observação dos mais variados elementos: uma onda; a espada de luz solar que cai no mar; um seio feminino (a que ele tenta mostrar indiferença); o eros no choque de carapaças de duas tartarugas; os planetas e estrelas, vistos a olho nu; uma osga ou uma revoada de estorninhos; um prado; banha de ganso; queijos; etc.; etc…
E conforme Palomar procura deter-se apenas na superfície das coisas, observando-as do lado de fora, a sua observação conduz-nos às suas próprias indagações e meditações: «Palomar está distraído, deixou de arrancar as ervas daninhas, já não está a pensar no prado: pensa no universo. Está a tentar aplicar ao universo tudo aquilo que pensou a propósito do prado. O universo como cosmos regular e ordenado ou como proliferação caótica. O universo que talvez seja finito mas que é inumerável, instável nos seus confins, que se abre dentro de si a outros universos. O universo, conjunto de corpos celestes, nebulosas, poeiras, campos de força, interseções de campos, conjunto de conjuntos…» (p. 45)
O senhor Palomar é, muito certamente, o autor Italo Calvino – como se afirma aliás na contracapa do livro –, podendo este livro ser uma espécie de testemunho das suas mais ousadas e prementes inquietações existenciais ou meras reflexões levadas ao sabor do vento.
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