Os Tempos do Ódio, de Rosa Montero, publicado pela Porto Editora, é o último volume de uma trilogia (Lágrimas na Chuva e O Peso no Coração). É um romance intenso e certamente corajoso, no mínimo desconcertante para quem conhece Rosa Montero por A Louca da Casa em que a autora cria um futuro possível para o mundo em que vivemos. Trata-se de uma narrativa que ingressa nas potencialidades da ficção científica, e não o faz recorrendo a fantasia ou a indefinição acrónica, mas sim com base em todo um universo cuidadosamente imaginado pela autora, e que de alguma forma já tem sido premonitório de eventos entretanto ocorridos – após publicação dos primeiros 2 volumes da trilogia, conforme a própria autora nos explica na sua nota final: «Digo sempre que os romances de Bruna Husky são os mais realistas que já escrevi. De facto, são de um realismo um pouco inquietante, porque às vezes sinto que a atualidade vai confirmando as minhas invenções.» (p. 310)
Bruna Husky é uma rep tecno-humana de combate, isto é, uma andróide, um ser orgânico, mas hipermanipulado por engenheiros genéticos. Quase humana, são clones que amadurecem aceleradamente e que em 14 meses atingem os 25 anos de idade, mas com um prazo de validade curto, pois vivem apenas por 10 anos ao que depois “morrem” em agonia durante 2 semanas. Bruna Husky é independente, individualista, destemida, e tem uma intuição que raia o sobrenatural – uma espécie de sexto sentido hiperhumano. Contudo tem também um grande coração, ainda que o tente dissimular – e conforme nos embrenhamos na narrativa a nossa heroína híbrida tornar-se-á cada vez mais humana, capaz de experienciar ódio, ciúme e amor. Ou não fosse Bruna Husky proveniente do material genético de uma escritora e jornalista de há cem anos, chamada Rosa Montero…
O livro tanto lança uma ponte para um futuro possível, daqui a cem anos, como recupera factos históricos de um passado mais remoto, cheio de dados reais, das trivialidades à antiga paixão do homem pela criação de autómatos, passando pela Ordem de Rosa-Cruz.
Os Tempos do Ódio pode desencorajar aqueles que não apreciem particularmente ficção científica, mas este livro é também um thriller policial, num mundo em crise, à beira de uma guerra mundial interplanetária, onde tudo depende da tecnologia. É uma leitura intensa e emocionante (devorei-o num único dia), onde não deixam de estar presentes os principais temas da escrita de Rosa Montero: a efemeridade da vida, a passagem do tempo, a paixão como superação da morte, o amor ao próximo como caminho para uma vida plena, a luta contra o poder e a injustiça social.
A autora nasceu em Madrid, em 1951. Como jornalista, colabora em exclusivo com o jornal El País, tendo obtido, em 1980, o Prémio Nacional de Jornalismo e, em 2005, o Prémio da Associação da Imprensa de Madrid, por toda a sua vida profissional. Com A Louca da Casa recebeu o Prémio Grinzane Cavour de Literatura Estrangeira e o Prémio Qué Leer para o melhor livro espanhol, distinção que também foi atribuída, em 2006, a História do Rei Transparente. Recebeu, em 2017, o Prémio Nacional das Letras Espanholas pelo conjunto da sua obra.
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