Adiei a leitura, como quem guarda um chocolate para uma emergência, do mais recente livro de Lídia Jorge. Em Todos os Sentidos foi publicado em Abril deste ano, pela Dom Quixote, durante a fase em que o mundo parou e entrou em quarentena. Mas a propósito de a autora ter sido recentemente agraciada com o Prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara para Línguas Românicas (a 2.ª autora portuguesa a vencer o prémio, depois de António Lobo Antunes), agarrei finalmente no livro.
«As crónicas que se seguem resultam de um convite que João Almeida me fez, em Dezembro de 2018, para que aceitasse colaborar com a Rádio Pública num programa para o qual ele já tinha criado o título – Em Todos os Sentidos.» (p. 11)
Ao longo de 2019, durante 10 meses, foram transmitidas 43 crónicas da autora nesse programa difundido na Antena 2 – dois dos textos já existiam e foram adaptados; a crónica de Agustina foi lida 2 vezes, pois foi repetida a transmissão como homenagem na altura do seu falecimento; uma das crónicas («Tempestade») acabou por não ser lida. Do total dessas crónicas, este livro resulta em 41 textos aqui publicados.
Nestas crónicas, se é que assim lhe podemos chamar, são abordados vários temas, alguns deles recorrentes, como o tempo, o futuro, a velocidade dos nossos tempos, a tecnologia, a literatura, quem engoliu a literatura, o cinema, a definição da Europa, etc.
(…)
«Dizem‑me que estas crónicas não são verdadeiras crónicas porque têm contos na sua origem. Aceito essa declaração de impureza. Infiel seria eu se assim não fosse. Pois, na verdade, escrevo contos desde que aprendi a redigir, e penso contos que não escrevo como uma forma própria de pensar sobre tudo aquilo que causa intriga ou espanto. Porque um conto é um raciocínio colorido. Se me perguntam sobre o sentido do passado, eu começo por responder – Era uma vez. Se me perguntam sobre as tensões do presente, começarei de novo por – Era uma vez. E nada poderei desejar sobre o futuro que não inclua essa fórmula de adivinhação – Sim, era uma vez, no futuro será assim…» (pág. 149)
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