Uma das obras mais controversas de Roth é também a mais recente publicada pela Dom Quixote, que já publicou mais 19 obras, e que, tal como as 11 anteriores, conta com tradução de Francisco Agarez.
Originalmente publicada em 1993, Operação Shylock tem o subtítulo Uma Confissão. Se nalgumas das suas obras emblemáticas é manifesta a presença de elementos autobiográficos, o autor vai mais longe nesta obra irreverente, em que assume a autoficção ao extremo, dando forma física a um segundo Philip Roth, conforme anuncia logo na sua primeira frase: «Soube da existência do outro Philip Roth em janeiro de 1988» (p. 17).
Philip Roth, o autor, descobre que há um impostor a fazer-se passar por ele e que ainda por cima advoga a fantástica e mirabolante teoria do diasporismo: «O diasporismo propõe-se reconstruir tudo, não num Médio Oriente hostil e ameaçador, mas sim naquelas terras onde em tempos tudo floresceu, ao mesmo tempo que procura evitar a catástrofe de um segundo Holocausto causado pelo esgotamento do sionismo como força política e ideológica» (51) Ou seja, cinquenta anos depois, reinstalar judeus na Polónia, na Roménia, na Alemanha, num caminho inverso ao genocídio nazi.
Operação Shylock é assim um arrojado exercício de metaficção, com momentos hilariantes, em que o autor põe a nu os seus próprios mecanismos de escrita e a forma como se desdobra nas suas personagens: «Embora a ideia tivesse provavelmente sido suscitada pelo comentário de Aharon, de que tinha a sensação de estar a ler-me uma história escrita por mim, a verdade é que não passava de mais de uma ridícula tentativa minha de converter numa construção mental daquelas que, por profissão, tão bem conhecia aquilo que mais uma vez se havia revelado em toda a sua realidade objetiva. É Zuckerman, pensei, temperamentalmente, estupidamente, fantasiosamente, é Kepesh, é Tarnopol e Portnoy – são todos eles num só, evadidos dos livros e sarcasticamente reconstituídos como um único fac-símile satírico de mim.» Em suma, se não é alucinação, nem sonho, «então só pode ser literatura» (p. 38).
Nascido em 1933 e falecido em 2018, é dos autores norte-americanos mais destacados, que invariavelmente aborda a temática judaica, de forma bastante controversa, o que lhe valeu o ódio de uma parte da comunidade. Voltarei a Roth, um dos meus autores favoritos, dentro em breve com A Conspiração contra a América, provavelmente a mais premiada das suas obras, cuja adaptação a série televisiva está agora a ser exibida.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.