O Sr. Wilder & Eu, de Jonathan Coe, com tradução de Rui Pires Cabral, é o segundo título do autor britânico no catálogo da Porto Editora, depois de O Coração de Inglaterra, em que versava o Brexit.
O Sr. Wilder & Eu representa uma elegia aos dias dourados do cinema. Este belíssimo livro, profundo de um modo simples, escrito numa prosa clara, despretensiosa, mas onde se sente algum didatismo informativo, nalguns momentos, faz o retrato íntimo de uma das mais intrigantes figuras do cinema, Billy Wilder, realizador de alguns grandes clássicos, como O Apartamento, O Crepúsculo dos Deuses ou Quanto Mais Quente Melhor. Em simultâneo, este livro pode ser lido como um romance de formação, em que se narra a passagem da juventude à idade adulta da jovem grega de Calista Frangopoulos e da sua própria ascensão ao mundo da sétima arte.
Narrado na primeira pessoa, Calista, com 57 anos, interpela diretamente o leitor ao contar como a sua vida chegou a um impasse pessoal e profissional. À partida de uma das filhas para outro país (tal como Calista um dia partiu em julho de 1976) e ao complexo dilema com que a outra filha se debate, soma-se o pouco trabalho que tem tido nos últimos 10 anos como compositora de bandas sonoras. É desse prisma que Calista dá por si a recordar a sua própria juventude e a forma como, por mero acaso, quando estava de férias em Los Angeles, dá por si a jantar com Billy Wilder, sem sequer saber que ele é/era uma das grandes figuras do cinema. Desse jantar caricato, em que Calista se sente deslocada, resulta que a jovem inspirará, inadvertidamente, uma cena do filme que Wilder se prepara para filmar, e será contratada para trabalhar como intérprete durante a rodagem do filme O Segredo de Fedora, numa belíssima ilha grega.
Esse agosto luminoso vivido por Calista, em que priva com Billy Wilder e Iz Diamond, representa o ocaso de uma época dourada e de uma forma de fazer cinema; O Segredo de Fedora, também por más escolhas técnicas, não tem o sucesso esperado dos filmes de Wilder noutros tempos. Inclusivamente os filmes a que se alude no livro, como O Crepúsculo dos Deuses, remetem para esse ocaso, alegorizando o declínio de uma arte, ou de uma forma de fazer arte, que o livro elabora. Entretanto, o cinema conhece agora êxitos como Taxi Driver (Al Pacino é personagem deste livro) e Spielberg, com o sucesso de Tubarão, é uma estrela em ascensão. É também em torno de Spielberg, e de um dos seus filmes, que revolve outro tema central ao livro: a forma como a arte pode ou não significar a resolução dos traumas privados e coletivos que o Holocausto deixou.
O Sr. Wilder & Eu, cuja primeira metade foi escrita durante uma residência de dois meses em Cascais, a convite da Fundação Dom Luís I e da Câmara Municipal, intenta reconstruir a época dourada do cinema e a consequente transformação da sétima arte. Para a construção desta narrativa, repartida em vários capítulos a que correspondem as várias paragens de Calista na sua viagem – Los Angeles, Paris, Londres ou Corfu –, o autor consultou uma vasta bibliografia e filmografia. Uma parte do livro, que nos apresenta um pouco mais a biografia do realizador, está inclusivamente escrita em jeito de guião cinematográfico.
Jonathan Coe nasceu em Birmingham, em 1961. É autor de variados romances e livros de não-ficção, de que se destaca A Vida Privada de Maxwell Sim (nomeado para o International IMPAC Dublin Literary Award 2012), e vencedor de prémios como o John Llewellyn Rhys Prize 1995, Melhor Livro Estrangeiro de 1996, em França, o Writers’ Guild Best Fiction Award 1997, o Médicis Étranger 1998 e I Prémio Europeu dos Jovens Leitores. Em 2004, foi nomeado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras de França.
Com O Coração de Inglaterra (Prémio Literário Costa 2019), publicado pela Porto Editora, encerrou a trilogia «não oficial» de que também fazem parte O Rotters’ Club (2001) e O Círculo Fechado (2004), na qual apontou com humor as fragilidades da moderna sociedade britânica, que o Brexit veio pôr em evidência.
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