O Rochedo de Tanios, de Amin Maalouf, publicado pela Marcador, leva-nos ao século XIX, a um Líbano dividido pelo confronto entre o Egipto e o Império Otomano. 

«este império, que estava em processo de constituição, tinha duas alas: uma a norte – os Balcãs e a Ásia Menor; a outra a sul – o Egito e as suas dependências. Entre ambas, apenas uma única ligação pela longa estrada costeira que ia de Gaza a Alexandreta, passando por Haifa, Acre, Saïda, Beirute, Trípoli e Lataquia. Trata-se de uma faixa de terra entalada entre o mar e a Montanha. (…) 

E, de um dia para o outro, todas as chancelarias não tiveram olhos senão para este canto da Montanha. Nunca se tinham visto tantos missionários, negociantes, pintores, poetas, médicos, senhoras excêntricas e colecionadores de pedras velhas.» (p. 104) 

O narrador, na primeira pessoa, fala-nos da aldeia onde nasceu, cuja bravura foi em tempos proverbial, e dos muitos rochedos que aí existem. Mas é sobre o rochedo que marca a paisagem da sua infância que ele nos fala, de uma montanha que tem a beleza de uma mulher. Neste romance livremente inspirado num acontecimento real, o narrador rememora assim um acontecimento de há supostamente 20 anos, ainda que ao leitor pareça ser um salto mais profundo no tempo; até porque a história é contada com os matizes de uma lenda. Ardilosamente apoiado em fontes, que vai citando recorrentemente, e relatos de testemunhas que terão vivido ao tempo dos acontecimentos aqui narrados, o narrador reconstrói a vida de Tanios, transformado num herói lendário e libertador do seu povo. Como é usual nas suas obras, Maalouf desenha um cenário convincentemente histórico, para depois fundir factos históricos com fantasia. Como se pode ler neste livro a certa altura, os factos são perecíveis ao tempo; «apenas fica a lenda, como a alma depois do corpo» (p. 269). 

Amin Maalouf é um jornalista e romancista libanês. Venceu o Prix des Maisons de la Presse, o Prémio Goncourt, o Prémio Príncipe das Astúrias, o Prémio Calouste Gulbenkian e foi agraciado com a Ordem Nacional do Mérito francesa no grau de grande oficial. É membro da Academia Francesa desde 2011. Durante 12 anos foi repórter, tendo realizado missões em mais de 60 países.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.