O Colibri, de Sandro Veronesi, com tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra, chegou às livrarias com o selo da Quetzal. Um dos mais aclamados romances deste ano, que valeu o prestigiado Prémio Strega ao autor, pela segunda vez. O seu romance Caos Calmo (ASA, 2008), também distinguido com o Prémio Strega (além do Fémina, em França), foi adaptado ao cinema com Nanni Moretti, que também participa no filme como ator, tendo sido nomeado para o Urso de Ouro do Festival de Berlim em 2008. O Colibri terá também uma adaptação ao cinema. Sandro Veronesi passou o mês de abril em Cascais, no âmbito das Residências Internacionais de Escrita da Fundação D. Luís I.
A intriga inicia em 1999 no bairro de Trieste em Roma, quando Marco Carrera, um oftalmologista, recebe no seu consultório o psicanalista da mulher que o avisa de que ele corre perigo. Logo nas primeiras linhas, o narrador, num tom coloquial, informa-nos de que Triste é “um centro desta história com muitos outros centros” (p. 11). De facto, nos capítulos seguintes perceberemos que a história, como um colibri, saltita entre vários tempos, ora recuando, ora avançando. Os próprios capítulos, normalmente breves, assumem as mais variadas formas, do narrativo, à carta, passando pelos telegramas, emails ou conversas telefónicas.
Ainda que Marco Carrera se mova na dança e contradança do destino, e muitas vezes a sua vida é isso mesmo, um golpe de sorte (onde o acaso e as coincidências também desempenham um forte papel), enquanto tudo em seu redor soçobra, e verdadeiras tragédias abatem-se sobre ele, mais que uma vez… como se Carrera estivesse de facto no olho do furacão a que o livro alude. Num ciclone temporal em que o passado e o futuro estão contidos no presente. Como o colibri (da belíssima capa deste livro), que tem a capacidade de se manter suspenso no ar, em pleno voo, dando-nos a ilusão de ótica de estar parado, pois a nossa visão não consegue acompanhar a velocidade do seu bater de asas.
Não obstante estas viragens temporais, o leitor não perde o pé nesta narrativa construída de forma original, avançando e retrocedendo entre várias décadas dos séculos XIX e XX, conforme acompanhamos a história de vida de Marco Carrera, desde que em criança, por ter tido um problema de crescimento, foi apelidado de Colibri. Só nas últimas páginas, chegando a 2030, é que a intriga se mantém temporalmente mais linear, ao prepararmo-nos para nos despedir do protagonista e ter um vislumbre de um futuro possível. Apesar dos vários reveses e perdas que o protagonista sofre, a narrativa mantém um tom otimista (a desordem temporal do livro contribui para esse horizonte de dias melhores) e a confiança no amor como redenção.
“Também ele queria beijá-la, foi o que sempre desejou, sempre. Começou a desejá-lo neste mesmo lugar, no século passado, e nunca mais deixou de o desejar durante mais de cinquenta anos. Mas ele nunca se atreveria a fazê-lo hoje. No entanto, ela fê-lo.” (p. 311)
Afinal Marco Carrera, apelidado de Colibri, é isso mesmo, um beija-flor, com um desejo por cumprir ao longo do tempo.
Sandro Veronesi nasceu em Florença em 1959. Considerado um dos mais importantes romancistas italianos dos últimos 30 anos, é um dos apenas dois autores que ganharam duas vezes o Prémio Strega. É autor de duas dezenas de romances, contos, poemas e peças jornalísticas.
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