O Canto de Aquiles, de Madeline Miller, foi publicado originalmente em 2011; tornou-se um best-seller na lista do New York Times e foi vencedor do Orange Prize em 2012. Lançado em 2013 pela Bertrand Editora, entretanto esgotado, este romance, com tradução de Judite Jóia, conhece agora uma nova edição pela Minotauro, que em 2020 também publicou entre nós o romance Circe. Igualmente publicado entre nós, recentemente, está o breve conto Galatea, apenas em versão electrónica (ebook), com menos de 15 páginas.

Este livro narra na primeira pessoa a vida de Pátroclo, desde que, com 5 anos, era um jovem príncipe desajeitado, tímido e solitário. Desprezado pelo pai, vê-se depois exilado na sequência de um acidente mortal, sendo enviado para a corte do rei Peleu. É aí que rapidamente fica fascinado – num misto de inveja e desejo – por Aquiles, «o melhor dos gregos», filho da cruel deusa Tétis e do rei Peleu. Louro e refulgente como o sol, dotado de uma bela voz e bom tocador de lira, é forte, veloz e belo. Irresistível e admirado por todos os outros rapazes que Peleu acolhe no seu palácio, é em Pátroclo que o interesse de Aquiles incide. E é Pátrocolo quem Aquiles designará como seu therapon, um irmão de armas ligado a um príncipe por juramentos de sangue e amor. A forte ligação destes dois meninos, de um semideus e de um jovem comum, arrisca a ira divina de uma mãe que quer para Aquiles o desejo impossível de o ver imortalizado como o guerreiro mais famoso de todos os tempos e, simultaneamente, de viver uma vida longa. Ou o desejo igualmente inalcançável de ser famoso e feliz. Aos treze anos, Aquiles será enviado para ser educado nas artes da guerra e da medicina pelo centauro Quíron, e Pátroclo, seu companheiro devoto, segue-o. Passam-se três anos de idílio, em que o amor entre ambos se avoluma até irromper carnalmente, quando, de súbito, soa a notícia de que Helena foi raptado por Páris, o príncipe troiano, e dá-se o chamamento para a fatídica guerra que durou dez anos…

Numa prosa ora ligeira ora profundamente lírica, Madeline Miller, ao revisitar os clássicos, tem o raro condão de conferir nova vida aos mitos sobejamente conhecidos, desvelando-os numa nova luz, e de dar nova voz aos heróis e deuses da Antiguidade. Mesmo os episódios já conhecidos ganham cambiantes surpreendentes na prosa de Miller. Por exemplo, quando Pátroclo, em criança, está presente na sala em que Helena escolhe ela mesma, de entre os vários pretendentes, o seu marido – num dos usuais e manhosos ardis de Ulisses. Sabemos que o seu rosto lançou mil navios para a Guerra de Troia, no entanto em todo o episódio ela mantém-se coberta por um véu. É também nesse momento que o jovem Pátrocolo se vê involuntariamente obrigado ao juramento de defender Helena, se assim for preciso. Este pormenor, em que Aquiles pode ter de seguir para a guerra porque Pátrocolo teria de o fazer, é um outro exemplo desta capacidade da autora de fazer revivescer as velhas histórias.

Madeline Miller frequentou a Brown University, onde obteve o grau de Master of Arts em Estudos Clássicos. Vive nos arredores de Filadélfia, na Pensilvânia. Há mais de 15 anos que ensina latim e grego a estudantes do secundário. O seu romance de estreia, O Canto de Aquiles, foi um êxito mundial.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.