Morrem Mais de Mágoa, de Saul Bellow, é relançado agora, em edição revista e com nova capa, onze anos depois da sua primeira edição pela Quetzal Editores. Um dos grandes romances de Saul Bellow, Prémio Nobel da Literatura em 1976.

O narrador, Kenneth Trachtenberg, é um judeu especialista em literatura russa, enamorado de tal forma pelo tio que deixa Paris rumo à América. Para Kenneth, a sua relação mais duradoura não é a mulher com quem teve uma filha, nem o pai, face ao qual sente uma inferioridade fálica, mas o seu tio Benn Crader, um botânico famoso, que apesar da sua simplicidade e reserva intelectual passa a vida a viajar pelo mundo.

Uma narrativa inteligente e divertida em prosa torrentosa que nos agarra desde logo e que entre os Estados Unidos da América, Quioto e Etiópia, nos leva a uma reflexão sobre a natureza humana no limiar da modernidade, ao mesmo tempo que contrapõe a mentalidade de duas grandes potências e dois modos de pensar, a Rússia e a América. Kenneth escolheu aliás a América não só por ser aí que vive o tio, mas também por saber que é lá que está a acção e, por isso, quis aprender com o tio «o que era possível fazer neste mundo pós-histórico» (p. 357).

O verdadeiro conhecimento, todavia, parece residir no coração e nas decisões erradas que muitas vezes este toma por nós, pelo que quando o seu tio Benn o surpreende ao casar com Matilda Layamon, mulher bastante acima das suas posses, Kenneth chega gradualmente à conclusão que o casamento é um contrato do qual o amor deve estar isento: «toda a gente presta culto ao coração, claro, mas toda a gente está também mais familiarizada com a ausência do amor do que com a sua presença, e tão habituada à sensação de vazio que esta se torna «normal». Não se sente a falta de uma base de sentimentos até começarmos à procura do nosso eu e não encontrarmos, para ele, um apoio nos afectos». (p. 308)

Em torno destas duas figuras masculinas, intelectualmente brilhantes mas com vidas emocionais desastrosas, dos seus diálogos exuberantes e muitas vezes hilariantes, é tecida uma profunda reflexão da humanidade e do amor, pois afinal o amor é a seiva da vida: «o amor ocupava lugar importante para alguns cientistas, pessoas preparadas para lerem no livro da natureza, livro de infinito e mistério. Tal como Deus ganhou impulso quando Einstein o mencionou, também a taxa de crédito do amor, atualmente sempre em baixo, subiu quando o professor a defendeu.» (p. 129)

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.