A Colher, com texto da premiada escritora argentina Sandra Siemens e ilustrações únicas da artista espanhola reconhecida e igualmente premiada Bea Lozano, é uma obra original e singular. Este álbum infantil publicado pela Fábula, com tradução de Susana Cardoso Ferreira, venceu o prémio Fundación Cuatrogatos em 2021.

«Existe uma forma de esquecimento muito antiga e conservadora, que a maioria das famílias mais antigas e conservadoras usam, em que se preserva um objeto, uma pessoa ou uma memória, atribuindo-lhe um valor superior ao que tem, separando-o do resto, para que não seja estragado ou profanado. Sandra Siemens recupera aquela colher e dá-lhe o valor exato, o valor do que é útil, do afeto. (…) Atrevo-me a dizer, em suma, que aquela colher tem toda a aparência de um referente histórico, não só para o país de Sandra Siemens, mas para todos os países que sofreram êxodos, num sentido ou noutro.»

Foram estas as palavras de Legna Rodríguez Iglesias, da Fundação Cuatrogatos.

A Colher, como o título deixa claro, é a história deste objecto, que se constitui como uma memória familiar. Uma colher que quase perde o seu valor utilitário e passa a ser sacralizada como um símbolo da família, um legado transmitido ao longo de gerações, e que ganha um valor sentimental e um significado próprio. Em todas as famílias são conservados estes objetos mais ou menos interditos, mais ou menos sagrados, com histórias secretas, que transportam a memória de outros tempos. No meu caso pessoal, posso confessar que temos um relógio antigo, do meu avô materno. Um relógio que, um pouco à semelhança desta colher, não me lembro de alguma vez ter visto funcionar para dar horas, servindo antes como memorial de tempos idos e gerações passadas. É também esta a história desta colher que, afinal, não parece servir para comer sopa, nem para cavar no jardim. Uma colher que é, afinal, uma extensão de um antepassado e que por isso deve ser respeitada como uma entidade viva.

O texto tem uma prosódia ritmada e as ilustrações são bastante peculiares, com figuras humanas retratadas, elas próprias, de forma alongada, oblonga.

Um livro que, de forma subtil, toca temas sérios como a migração e o exílio, e mostram como mesmo os objetos mais simples podem conter e partilhar histórias e memórias. 

Sandra Siemens, escritora argentina, nasceu em 1965. Vive numa cidade a sul de Santa Fé. Estudou Letras na Universidade Nacional de Rosario (UNR) e frequentou o curso de Literatura Infantil. Em 1992 publicou seu primeiro romance. Recebeu várias distinções, entre as quais o Prémio Norma-Fundalectura 2008 e o Prémio El Barco de Vapor 2009; foi finalista desse mesmo concurso em 2004, 2007 e 2011. O seu romance El hombre de los pieds-bat fez parte do catálogo White Ravens em 2010.

Bea Lozano nasceu em Salamanca, em 1986, e vive em Barcelona, onde estudou ilustração na Escola Massana. Em 2017 obteve uma menção honrosa e foi selecionada para integrar o VIII Catálogo Ibero-Americano de Ilustração. Também foi selecionada para a Bienal Internacional Ilustrarte 2018. Em 2018 ganhou um prémio na IX edição da Iberoamérica Ilustra, e publicou seu primeiro livro ilustrado, Above Nogales, below Zarzales, que recebeu dois prémios.

print
Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.