Maus hábitos, de Alana S. Portero, com tradução de Helena Pitta, chegou às livrarias em fevereiro com chancela da Alfaguara. Fenómeno literário internacional, distinguido pelo jornal El País como um dos dez melhores livros publicados em 2023, o lançamento do livro teve lugar no festival «Correntes d’Escritas», na Póvoa de Varzim.
“Eu, menina esperta, maricas encoberta, gaga, gorducha, com uma pala a cobrir-me o olho esquerdo e uns óculos maiores do que o desejável, era o oposto da imagem de uma pequena endiabrada.”
Assim começa a história de uma menina presa num corpo que é incapaz de habitar.
Narrado na primeira pessoa, e ainda que fale sempre de si no feminino – sabemos a certa altura que o seu nome começa por “A…” (fica no leitor a dúvida se a gaguez a impede de o pronunciar, ou se é intencionalmente que a autora decide ocultar o seu nome de identidade civil) -, gradualmente o leitor (os menos preguiçosos, que não vão às sinopses que, infelizmente, muitas vezes revelam quase tudo) perceberá que esta narradora rememora a sua infância, quando era menino.
Maus hábitos é afinal o corajoso testemunho da autora, e do seu percurso, de como desbravou caminho rumo à sua identidade.
A prosa é lírica e crua, perpassada por imagens sugestivas de um mundo marginal (a metáfora do armário aparece diversas vezes), pois a narradora cresceu num bairro pobre, paredes-meias com os “agarrados”, com a fealdade, com a violência doméstica. A narrativa, mais próxima da crónica, por onde perpassa reflexão e memória, reparte-se ao longo de vários breves capítulos, com títulos indicativos, como se cada capítulo constituísse uma breve história que se desenvolve e encerra ali. Há, no entanto, momentos em que um capítulo parece retomar o anterior, voltando a uma personagem ou situação.
Curiosamente desfila por esta memória uma extensa galeria de personagens excêntricas, pois ao contar a sua história de formação e emancipação, de revelação e descoberta, a narradora faz uso da história de diversas outras personagens que habitam o seu microcosmos social, o bairro operário suburbano de San Blas, dizimado nos anos 80 pela heroína.
Alana S. Portero nasceu em Madrid, em 1978. É medievalista (Universidad Autónoma de Madrid), escritora, encenadora e cofundadora da companhia de teatro STRIGA. Escreve na imprensa espanhola sobre cultura, feminismo e ativismo LGBT.
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