Michèle Petit, em várias das suas obras, tem procurado responder a questões como:

– Para que serve ler?

– Porquê ler hoje?

– Porquê incitar as crianças e jovens (e adultos) a ler?

– Como proceder para despertar o gosto pela leitura e pelas práticas culturais?

Ler o mundo – Experiências de transmissão cultural na actualidade, o único livro publicado em Portugal da autora até à data, constitui uma apologia da literatura – oral e escrita -, para que esta tenha um lugar na vida das crianças e jovens. A própria literatura, o nosso contacto com histórias, possibilita-nos encontrar um lugar, uma pertença, cultural ou humana: “desde a mais tenra idade, e ao longo de toda a vida, a literatura, oral e escrita, e as práticas artísticas estão intimamente ligadas à possibilidade de encontrar um lugar” (p. 8)

Afirma ainda a autora, sobre esta ideia de encontrar um lugar/lar através da transmissão de histórias:

“Para que o espaço seja representável e habitável, para que possamos inscrever-nos nele, tem de contar histórias, ter uma densidade simbólica, imaginária, lendária. Sem narrativas – nem que seja uma mitologia familiar, algumas recordações -, o mundo limitar-se-ia a existir, indiferenciado; em nada nos ajudaria a habitar os lugares onde vivemos nem a construir a nossa morada interior” (p. 16)

Michèle Petit explana como, ao começar a trabalhar sobre a leitura, fazendo investigação em meios rurais, ficou surpreendida ao verificar que ler era “uma atividade impossível ou arriscada, já que não servia aparentemente para nada” (p. 36)

Petit apresenta-nos estudos, realizados em 2008 em França, o seu país, que revelam que 51 % dos homens de uma família operária nunca leram um livro.

Nesta linha de pensamento, muitas universidades, um pouco por todo o mundo, nas últimas décadas, começaram a extinguir cursos ligados a artes e a humanidades, assim como no ensino primário e secundário se extinguiram certas disciplinas. A literatura é muitas vezes trabalhada a par da língua.

Em contrapartida, mais recentemente, muitas universidades voltaram a valorizar a importância da literatura e da arte, e criaram programas “de humanidades médicas”, pois uma das vantagens da leitura é desenvolver a empatia (p. 59), pois a literatura também nos ajuda a colocar mais facilmente no papel do outro.

A autora afirma que “a leitura tem muito que ver com o espaço, mexe com as nossas bases espaciais. Parece ser um meio indirecto mas privilegiado para o homem encontrar um lugar, para lá se instalar, se aninhar.” (p. 41)

As novas gerações são igualmente “cada vez menos leitoras de suportes impressos” (p. 37), sem que a recente progressão dos livros digitais, como alternativa, compense esses números reduzidos. Por isso, como podemos combater esta tendência pelo digital junto das crianças, mas também dos estudantes universitários? Jovens (potenciais) leitores que revelam cada vez mais dificuldade em mostrar disponibilidade ou apetência pela leitura, em ler de facto um livro ou mesmo um texto, em compreender o texto, em interrelacionar o que leem com a sua experiência e conhecimentos…

Naturalmente que há várias respostas a estes desafios, inclusivamente tirar partido das próprias ferramentas digitais. Outra possibilidade encontrada nos nossos estudos é a leitura em voz alta, apontada por Giardinelli como “o caminho mais poderoso para estimular a leitura” (2021, p. 56). Além de ser uma ferramenta do conhecimento, das mais baratas, antigas e simples, como afirma o autor, é a melhor via para formar ou criar leitores. Mesmo que um contador não saiba de livros ou de literatura, basta contar uma história, para prender a atenção de uma criança. Foi mais ou menos assim que se pensou na ideia da Atividade Mundo-Livro, como explicaremos adiante.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.