Claudio Magris, autor de Danúbio, nasceu em 1939 em Trieste, que é aliás o cenário de vários destes textos que podem ser lidos como crónicas.
Budapeste, Nova Iorque, Estocolmo, Berlim ou Istambul, são o palco de pequenas situações a partir dos quais o autor passa a tecer breves considerações e reflexões, que colocam em causa assuntos tão díspares como a natureza da guerra, a economia, o multiculturalismo, ou a diferença entre “andar com” e “estar com” alguém.
Seja num comboio, numa esplanada, ou num cemitério, estes instantâneos captados pelo autor podem ainda ser lidos como momentos de clareza, rasgões na tela de um fresco que subitamente permitem ler e entender algo maior sob a superfície do quotidiano: «O instantâneo é um ecrã de televisão, graças ao qual finalmente compreendo como é que tantos bancos podem ter sido tão imprevidentes e caminhado alegremente para a ruína.» (p. 53)
Este livro, designado na contracapa como «uma pequena comédia humana» reúne um conjunto de instantâneos, imagens apreendidas numa fracção de segundos que são depois dissecadas pelo vaguear imaginativo e filosófico do autor. São 38 textos breves e pessoais, com duas a quatro páginas cada, organizados em sequência cronológica, entre os anos de 1999 e 2016. E nem de propósito termina com o instantâneo intitulado «Selfie». É óbvia a capacidade imaginativa do autor, que nos deixa a interrogar até que ponto as cenas descritas não serão plena criação. Destacam-se, na minha leitura, a cena do casal numa esplanada de café, ambos focados nos seus telemóveis, cuja intimidade é devassada pelo olhar arguto do autor, em «Cenas mudas de um casamento», ou o instantâneo «Leão-marinho» em que um homem casado desafia um grupo de adolescentes para depois lamentar a liberdade perdida da juventude.
Este pequeno livro com formato de bolso e capa dura é a companhia perfeita para abrir num café ou numa esplanada, e ler um instantâneo que nos ajude também a abrir os olhos para o real envolvente. Além de ter uma particularidade interessante, pois basta despir o livro da sobrecapa para deixar na ignorância os mais curiosos que gostam de tirar “instantâneos” dos livros que os colegas transeuntes lêem nos transportes públicos ou numa sala de espera: a capa negra sem letras gravadas acentua o mistério e evita que os leitores mais púdicos tenham de forrar os livros…

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.