Num período em que o mundo vive novo confinamento, com uma vaga ainda mais avassaladora de casos, e em que eu, pessoalmente, estou fechado numa casa estranha a cumprir a quarentena requerida àqueles chegam de viagem, com quase nenhum contacto com o mundo exterior (a não ser o virtual), este livro não podia ter chegado em melhor altura. Imagine: Relatos de um tempo estranho, atípico e extraordinário, publicado pela Arranha-céus (editora chancela da abysmo), é um livro feito por pessoas que nasce da partilha de testemunhos online entre amigos e clientes da Mercer Portugal sobre como foi vivida a pandemia, o que mudou e moldou a nossa vida, assim como a nossa forma de trabalhar. Esta ideia nasceu de um momento de partilha durante as noites de confinamento instituído em março de 2020 em que a Mercer “juntou” por Zoom amigos e conhecidos, em grupos de 5 a 7 pessoas para, em tom informal e descontraído, falarem sobre si e as suas experiências. Estas conversas decorreram às «5 para as 10 da noite» com o requisito obrigatório de se fazerem acompanhar por um copo de vinho e culminam neste livro que reúne 28 testemunhos de profissionais das áreas de Recursos Humanos, Marketing e Direcção de empresas, isto é, «Pessoas de Pessoas» (p. 41) das mais diversas áreas, como a hotelaria, seguradoras, banca, ensino, etc.
De março a agosto viveu-se a Guerra do Medo, como escreve Diogo Alarcão (CEO da Mercer Portugal), inclusive Medo do Futuro, pois «esta guerra que nos surpreendeu em 2020 tem esta capacidade de destruir parte das nossas certezas sobre o amanhã» (p. 16).
Um testemunho com base em 6 meses de pandemia e confinamento, sem ser técnico pois é sobretudo baseado na vivência pessoal permite desvelar como o mundo (as empresas, as pessoas) aprendem a reinventar-se para poder prosseguir. Ana Guimarães, dá-nos alguns exemplos disso mesmo, de como a empresa procurou proteger os seus, alterando a dinâmica do trabalho em equipa (mais “emocional”, mais conciso) e oferecendo-lhes soluções viáveis num tempo em que as certezas ruíram e o mundo deixou de ser redondo. Mas o importante é compreender que a vida é sobretudo mudança, e «mudar não é um drama», ou não deveria ser, mesmo quando temos de aprender a tentar ver o sorriso das pessoas nos olhos, pois nestes «tempos de máscara (…) anulando o sorriso, onde fica uma das maiores expressões humanas?», pergunta-nos Ricardo Aguiar (p. 37).
«Esta partilha é escrita a pensar nos netos» (p. 31), como afirma Teresa Nascimento, e também apresenta caminhos possíveis num tempo em que casa e escritório se tornaram uma «mistura agridoce» (p. 26), nas palavras de Paula Carneiro, ao mesmo tempo que muitos de nós, obrigados a parar, aprenderam a valorizar o tempo, sempre escasso porque muitas vezes não sabíamos como efectivamente o viver. E o tempo revela-se agora tanto mais rentável quanto mais criativos e imaginativos nos (re)criamos.
Numa história que ainda não acabou, espera-se um impacto brutal a nível económico, humano, social, com este vírus «anti-humano» ou «antitoque» (p. 38) que se propaga à mesma velocidade com que conduzíamos os nossos segundos de vida, mas sobrevivem algumas certezas, como a de que a nossa união permite vislumbrar um horizonte. As últimas páginas do livro mostram-nos, em números e imagens, o que mudou no mundo e no país, além de conter citações pertinentes de algumas personalidades.
Fechamos com as palavras do prefácio de Diogo Alarcão: «acredito que muitos leitores se irão rever nestas partilhas e já que estamos a voltar ao confinamento também aprender com elas. Este livro servirá também para avaliarmos se o que pensávamos e defendíamos em 2020 vai acontecer de facto: os modelos híbridos ficaram para durar? As empresas tornaram-se mais humanas? A comunicação foi elemento chave para o processo de transformação organizacional? Os investimentos na saúde e bem-estar tiveram um incremento significativo?»

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.