Encruzilhadas, de Jonathan Franzen, foi publicado no final de Outubro pela Dom Quixote, com tradução de J. Teixeira de Aguilar, em simultâneo com a edição americana. Este é o sexto romance do mais aclamado escritor norte-americano vivo, autor de Correcções, Liberdade ou Purity – há claramente preferência pelos títulos de uma só palavra. Cerca de 6 anos depois do seu anterior romance, este é um portentoso volume de 677 páginas que inaugura uma trilogia, supostamente designada, no original, A Key to All Mythologies.
Contrariamente aos seus anteriores trabalhos, cuja ação decorre na contemporaneidade, o autor recua até 1971, justamente quando a Guerra do Vietname se aproxima de um término fatigado.
A ação divide-se em duas partes, mais ou menos de forma desigual, designadas Advento e Páscoa. A primeira parte, com mais de 400 páginas, decorre num único dia, 23 de dezembro de 1971. Na segunda parte, a partir da página 437, a ação decorre mais rapidamente, compreendendo os meses seguintes até chegar à Páscoa.
Um dos aspetos curiosos do livro é a opção por uma narrativa na terceira pessoa, a partir da perspectiva das personagens. A prosa segue no fio da navalha, entre o ligeiro e o erudito. O primeiro capítulo pode oferecer alguma resistência, até porque apesar de estarmos a mergulhar no início desta história, o autor não se detém com introduções e o leitor vê-se a apanhar o comboio a meio da viagem. Paradoxalmente, no fim, parece haver uma conclusão acelerada, com revelações (em particular em torno de Becky) que parecem ficar por apurar mais tarde, talvez no próximo volume.
Depois ao longo dos capítulos a leitura torna-se mais ligeira, apelando a um ritmo de leitura mais acelerado, conforme mergulhamos nos dramas íntimos das várias personagens, que ora se tocam ora se esquivam. Ainda que na primeira parte, os capítulos alternem entre Russ, Perry, Becky, Clem, e Marion (fica apenas de fora o filho mais novo, ainda uma criança), ao longo da segunda parte esta alternância de planos torna-se mais difusa e irregular.
Ainda que Franzen possa ser acusado de se ater ao lugar-comum e à mediania nas suas personagens, esta história de uma família do Midwest americano, tão séria quanto divertida e irónica, acompanha estas cinco personagens que, em comum, atravessam um momento decisivo de crise moral – como o título aliás sugere – e lutam, cada uma à sua maneira, por encontrar a bondade inata que reside no seu íntimo, ainda que sejam incapazes de se relacionar de modo eficaz com aqueles que lhes são mais próximos: a sua família.
Russ é o pastor adjunto de uma igreja liberal suburbana de Chicago, a certa altura afastado do grupo de jovens Crossroads, que ele próprio criou, e atravessa uma crise no casamento, subitamente enamorado de outra mulher. Clem, o filho mais velho, que se proclama ateu como parte do ódio que tem ao pai, dá por si numa crise moral que o leva a uma atitude tão precipitada quanto irreflectida, seguindo um percurso cujos passos, na verdade, não são muito diferentes dos do pai em jovem. Marion, a mulher com excesso de peso e desinteressante (embora seja ele quem escreve os sermões de Russ), esconde afinal um passado secreto, e, no que parece ser o seu renascimento, tornar-se-á cada vez mais fascinante ao longo da narrativa. Becky, a filha promissora, admirada e invejada rainha da escola, dá por si num caminho inverso; ao mesmo tempo que pretende ser verdadeiramente única, e descobrindo uma nova fé em Cristo, debate-se com os seus sentimentos por Tanner, um jovem músico; apesar de uma inesperada herança, que pode determinar o curso da sua vida, Becky parece deitar tudo a perder, tornando-se afinal uma mulher igual a tantas outras da sua geração, igual, no fundo, à própria mãe. Perry, adolescente a raiar o genial, é também um alcoólico, consumidor e vendedor de droga. Perry incorre num caminho involuntário (?) de autodestruição, possivelmente por culpa das revelações despropositadas da mãe, que resulta no clímax do romance; momento-chave aliás a partir do qual toda a família se parece desagregar irrevogavelmente…
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