Este livro, acessível a qualquer leitor, recentemente publicado pela Bertrand Editora, tem como corpo central um conjunto de textos do Professor João Barrento apresentados, em alemão, nas conferências de Frankfurt e que deram origem a uma obra originalmente publicada em alemão em 1999, cujo título pode ser traduzido como “Cravos e Perpétuas. A literatura portuguesa contemporânea”.
Lê-se também na contracapa que em todos os textos, aqui devidamente revistos e adaptados mais especificamente ao contexto nacional, o ensaísta e tradutor se detém «sobre a situação da literatura portuguesa no início do século XXI e do seu lugar no meio literário e social, na escola e na universidade. Naturalmente, todos os escritos originais foram reformulados, desenvolvidos e completados para poderem integrar um corpo coerente numa edição que se constitui como síntese, naturalmente aberta e pessoal, do panorama mais recente da nossa literatura.».
O livro está dividido em cinco partes. O primeiro capítulo é justamente uma reflexão sobre a nossa contemporaneidade – balizando-a, claro que de forma conscientemente arbitrária, a partir da Revolução do 25 de Abril –, que se estende pelo segundo capítulo, onde se apura o papel social da literatura como meio privilegiado de reflexão e revisão da História, que é aliás a matéria mais tratada no romance português pós-revolução, segundo o autor, mesmo quando entra no domínio do fantástico. Partindo de algumas das premissas da Poética aristotélica, Barrento postula que «A pretensão de verdade do romancista não será então tão «rigorosa» como a do historiador, mas em compensação é bastante mais ampla (já Aristóteles dizia: mais universal). O romance amplifica as muitas variáveis que constituem a complexidade das acções inter-humanas, comenta-as e interpreta-as. O narrador assume aqui, na sua relação com o texto da História, um papel próximo do do leitor no acto de leitura propriamente dita.» (pág. 33). No final, há um excurso em torno do Memorial do Convento.
No terceiro capítulo, sugestivamente intitulado «A nova desordem narrativa: escrita feminina», o autor considera, à semelhança de outros críticos como Isabel Allegro de Magalhães, como O Sexo dos Textos, da existência ou não de uma escrita marcadamente feminina, em virtude da grande profusão de autoras mulheres na literatura pós-25 de Abril e do seu importante contributo na renovação da ficção literária, terminando com um excurso em torno da obra de uma das minhas autoras de eleição, Lídia Jorge.
Em seguida, o autor aborda o conto, para se focar finalmente no «Conto Brevíssimo», de Jorge de Sena, e, no capítulo seguinte, na poesia, terminando desta vez não com um poeta em particular mas com a Europa como tema.
O último capítulo consiste numa intervenção proferida no Brasil em 2005, que constitui uma retrospectiva e balanço do estudo realizado nos textos anteriores.
É um estudo profundo e sólido da ficção e da literatura em geral do último quarto do século passado, à semelhança do que Miguel Real fez em O Romance Português Contemporâneo, mas aqui com maior profundidade analítica, se bem que João Barrento se mostre um pouco “parcial” nos autores que mais considera: Lídia Jorge, Teolinda Gersão, Agustina, Maria Velho da Costa, Hélia Correia, Augusto Abelaira, Jorge de Sena, Saramago, Lobo Antunes, Carlos de Oliveira. Mas claro que esta é uma síntese, e que indica desde logo na capa não considerar os últimos 16 anos da literatura portuguesa (1974-2000), o que pode ter também a sua razão de ser, pois se Miguel Real decidiu, e sabemos que ele é um leitor compulsivo e ecléctico, referir-se a todos os autores hoje conhecidos que se encontram nos escaparates das livrarias (numa época em que certos escritores publicam ao ritmo contratual de um livro por ano), Barrento parece preferir cingir-se aos que terão, e poderão vir a ficar, ficado para a posteridade. Em suma, a chama eterna da verdadeira literatura e as cinzas.
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