Acolher, da autora irlandesa Claire Keegan, foi o segundo livro publicado pela Relógio d’Água, com tradução de Marta Mendonça, foi vencedor do Davy Byrnes Irish Writing Award.
Neste conto (pelo menos assim designado dentro do conjunto da prosa da autora), uma narrativa ainda mais breve do que a anterior, com cerca de 65 páginas, o impacto causado no leitor não é menor, e deixa-nos a remoer a história durante muito tempo.
Narrada pela perspectiva de uma menina, perceberemos, gradualmente, que está a ser levada para viver com uma outra família, os Kinsella, numa quinta na zona rural da Irlanda. O tempo é indefinido, à parte uma breve alusão à C.E.E., o que pode remeter-nos para o ano da adesão da Irlanda.
A esta menina, cuja idade ou nome nunca saberemos (apenas que anda na escola), que chega como uma “criança cigana” e rapidamente se transforma, não lhe é dito – nem a nós – se é uma situação temporária ou permanente, pois ela fica sem saber quando regressará, ou se regressará. O certo é que esta menina, não obstante a sua inocência e desconhecimento da realidade que a cerca, é capaz de pensamentos que a tornam adulta: “Quem me dera estar lá fora, a trabalhar, pois não estou acostumada a estar sentada quieta e por isso não sei o que fazer com as mãos.” (p. 13) Uma inquietação que parecer remete para o livro anterior da autora, na forma como encadeia na narração a enumeração da descrição de simples gestos e acções quotidianas, em que as personagens avançam mecanicamente, de uma tarefa para outra, em jeito de fuga à profundidade, que as pode engolir como um abismo, e como estratégia de sobrevivência assente nessa “mecânica dos dias”.
Nos dias que vê passar nessa casa desconhecida, a sua nova morada de gente estranha e silêncios ou olhares inquietantes, os seus pais adoptivos tratam-na, no entanto, com todo o carinho. Há afinal um enigma que terá de ser deslindado: “sinto o sabor a algo sombrio no ar, algo que ameaça cair e explodir e mudar as coisas” (p. 40). E, páginas depois, a intriga tomará de facto nova feição. Da mesma forma que, perto do fim, os estranhos acontecimentos que se precipitam, ou precipitados, por esta menina, nunca explicados ou indiciados, deixam, uma vez mais, uma inquietante incerteza a pairar.
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