A Psicologia da Estupidez, organizado por Jean-François Marmion, publicado pela Desassossego (Saída de Emergência) é a antologia perfeita sobre um dos males intemporais da humanidade: a estupidez humana. Com a colaboração de grandes nomes como António Damásio ou Daniel Kahneman, este livro reúne pequenos textos críticos, escritos a convite do organizador, ou trechos de entrevistas a vários eminentes pensadores e psicólogos. A edição portuguesa foi organizada por Luís Corte Real, e na verdade alguns dos melhores textos desta antologia são de autores portugueses, como o de Filipe Luís, sobre a estupidez na política (com algumas das declarações mais infelizes dos nossos representantes), ou o de André Canhoto Costa, sobre a estupidez como obra de arte, designadamente na literatura.

«Atrasado, paradinho, pateta, idiota, débil mental, doido, imbecil, estúpido, néscio, maluco, tolo, testa pequena, cabeça rachada… o vocabulário da estupidez é infinito.» (p. 29). Não se confunda, contudo, a ignorância com a estupidez, pois aquela pode ser um importante motor do conhecimento, além de que mais conhecimento traduz-se, muitas vezes, em menos certezas; ao passo que nós, geralmente, somos tanto mais estúpidos quanto mais inteligentes queremos parecer ser. A estupidez é, portanto, bastante subtil, e não se reduz a uma falta de inteligência. O que não falta é pessoas instruídas a negarem a vantagem de se vacinarem, a subscrever teorias da conspiração, a votar em mentecaptos, e a defender que a Terra é plana.

É preciso admitir que somos todos um bocado estúpidos, mais que não seja quando passamos por um mau momento, ou por não termos ainda saído da adolescência. Há inclusive casos atestados de estupidez de premiados com o Prémio Nobel, que recentemente divulgavam informações falsas sobre a covid-19, como a de que o vírus podia ser erradicado pelo calor ou pela ingestão de água quente.

Hoje, exponencialmente à facilidade e liberdade de expressão, a estupidez parece estar na sua idade áurea. E apesar de antes estarmos submergidos pelo que antes mais faltava, a informação, esta também se traduz em pós-verdades, factos alternativos, fake news, e outras balelas afins. Não é incomum que toda a gente tenha opinião infundada sobre tudo e saiba melhor do que cada um o que é melhor… para nós. Os narcisistas – outro sinónimo de estúpido – sofrem de uma propensão em usar a internet de forma problemática, entre o assédio e a caça de likes.

A produção de balelas, endémica na imprensa, tornou-se pandémica hoje na internet e nas redes sociais (onde já podemos encontrar artigos escritos por algoritmos), e permitiu mesmo a eleição de alguns estúpidos, nomeadamente no caso dos populistas, exímios em alimentar-se da estupidez humana.

Possa este livro ser um guia para reconhecermos a nossa estupidez, em vez de a ignorar, e aprender com ela.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.