Uma Casa Feita de Doces, de Jennifer Egan, autora norte-americana publicada pela Quetzal, pode ser considerado uma sequela de A Visita do Brutamontes (2012). Com tradução de Vasco Teles de Menezes, este é o mais recente romance da autora vencedora do Prémio Pulitzer de 2011.
Embora pareça muito futurista, a acção deste romance situa-se temporalmente apenas alguns anos à frente do nosso (2024 e 2025). O dono de uma empresa de tecnologia, agora milionária, criou uma rede virtual, mas com muito pouco de alternativo, que permite a cada pessoa ter acesso não somente a todas as suas memórias, mas também às memórias dos outros – cria-se assim uma memória coletiva, acessível a todos. Ou seja, aquilo que já acontece hoje, com a partilha instantânea de momentos da nossa vida pessoal, e privada, é levado um pouco mais à frente, num novo género de Big Brother.
“A tecnologia permitiu às pessoas comuns a possibilidade de brilhar no cosmos das façanhas humanas.” (p. 204)
Vivem-se estranhos novos tempos, em que aqui e ali o leitor fica a par das novidades tecnológicas, como os “substitutos profissionais” (presumimos nós que são uma mistura de robótica com clonagem) que podem substituir pessoas entretanto falecidas, ou desaparecidas, capazes de infundir no seu discurso “aleatoriedade e espontaneidade” suficiente, sem nunca sair da personagem (p. 142). Há ainda uma série de benefícios que advêm de programas como “Controla o Teu Inconsciente”, que permitiram erradicar a pornografia infantil, solucionar crimes, reduzir o Alzheimer e a demência (com a reinfusão de consciências saudáveis), ressuscitar línguas mortas, e “um aumento global de empatia que acompanhou o declínio acentuado das ortodoxias puristas” (p. 378), além de que as pessoas podem agora viver na pele umas das outras, numa quase simbiose perfeita.
À semelhança de A Visita do Brutamontes, um romance igualmente composto por diferentes histórias de diferentes personagens, este volume compõe-se de várias narrativas, com diferentes estilos e registos, centradas em diferentes personagens. Algumas delas recuperadas do romance A Visita do Brutamontes, como a cleptomaníaca Sasha, agora curada, e em modo de contrição, o empresário Lou Kline, ou o seu antigo protégé Bennie Salazar. Aparentemente díspares, as várias narrativas entretecem-se e interligam-se.
É possível que o leitor sinta alguma resistência, ou desorientação, no início do romance – até porque não se revela tudo de imediato –, mas a curiosidade e o interesse serão gradualmente aguçados, conforme se progride nesta leitura sinfónica, tecnológica, inteligente, imaginativa, de natureza pop, em certas passagens profundamente irónica, deixando o leitor a cargo de tirar as suas conclusões, num mundo em que a memória e a identidade deixaram de ser privadas.
Uma Casa Feita de Doces – título irónico, que serve de aviso – foi considerado um dos melhores romances de 2022, pelo The New York Times, The New Yorker, Time, Publisher’s Weekly, Esquire, etc.
Jennifer Egan nasceu em Chicago, foi criada em San Francisco e vive em Brooklyn com a família. Foi presidente do PEN America entre 2018 e 2020.
Desta autora, li há poucos anos A Praia de Manhattan, de que gostei muito, vencedor da medalha Andrew Carnegie para excelência na ficção e do New York City’s One Book.
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