Três Mulheres no Beiral, de Susana Piedade, é o terceiro romance da autora, publicada pela Oficina do Livro. Estreou-se na literatura com o romance As Histórias Que não Se Contam, finalista do Prémio Leya em 2015, a que se seguiu O Lugar das Coisas Perdidas (2020). Este seu novo romance foi também finalista do Prémio Leya em 2021.
Numa das zonas mais ilustres da Baixa do Porto, há uma rua icónica com uma fiada de prédios e de pessoas a precisar de conserto. Piedade e a sua casa, “periclitando nuns oitenta e tal anos mal contados, sem maquilhagem que disfarçasse as rugas, nem as imperfeições de raiz, nem nenhum dos massacres que o tempo deixava à mostra, esperando a morte como quem aguardava vez numa fila” (p. 11). Inicia assim a narrativa, num tom despretensioso e familiar, pontuada por frases lapidares, que parecem dar um nó a cerzir a prosa. Prosa essa que rapidamente cativa o leitor, consoante, numa série de analepses, se desenrola a história da família que é, também, a história da casa. Afinal, com uma vida tantas vezes surpreendida pela morte, tendo perdido uma grande parte dos seus bastante cedo, é impressionante a forma como Piedade se mantém firme. É também no seu lar que tenta manter a família unida, apesar das suas piores suspeitas quanto à verdadeira natureza de alguns dos seus: “As famílias são uma espécie de manta de retalhos, cada um com o seu feitio; difícil é encaixá-los na teia do croché com uma certa harmonia e consistência” (p. 11).
Em torno de Piedade, vivem ainda velhas amigas, de longa data, mas que a pouco e pouco soçobram, assim como as casas deste Porto Antigo que, em redor, começam a ser alvo de estranhos incêndios. À medida que grassa a especulação imobiliária, e os modos tripeiros têm de aprender a conviver com a sinfonia das obras, a vozearia dos bares, e os turistas que invadem as ruas, proprietários e investidores não olham a meios para se livrar dos velhos inquilinos.
A história de Três Mulheres no Beiral é, sobretudo, como o título deixa adivinhar, a história das mulheres de três gerações de uma família, mas é, também, a história de outras mulheres que se tornam família por afinidade. Nessa teia, entre familiares e vizinhos, as personagens estão bem desenhadas, e os segredos de família são indiciados e gradualmente desvendados, conferindo ritmo à leitura.
Um dos aspetos fortes da narrativa é a forma como a autora subtilmente entrelaça a natureza humana com a casa, ao ponto de a casa parecer ganhar vida. Com ligeiros laivos de um policial, e tecendo uma denúncia social sem perder o tom efabulatório, este é um romance empolgante que nos fala de temas prementes. Ao contrabalançar a atualidade com as recordações e práticas de outros tempos, relembra-nos que o desejo de mudança, de inovação, no sentido de apagar o velho para dar lugar ao novo pode resultar, no seu extremo, numa perda de identidade.
“No Porto antigo, longo de velho e ignorado, o alojamento local germinava sobre as carcaças de antes. Proprietários e investidores esfregavam as mãos, fazendo contas e planos – quanto renderia um prédio revitalizado naquela zona? Quantos turistas, residentes estrageiros, empresários, executivos, até jovens endinheirados lá encaixariam? Quanto valeria um par de velhos num casarão às moscas?” (p. 163)
Susana Piedade nasceu em 1972, no Porto. É mestre em Ciências da Comunicação, com especialização em marketing e publicidade.
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