Tempos Duros, de Mario Vargas Llosa, publicado pela Quetzal, é um thriller histórico e político que se demarca bastante dos livros mais recentes deste autor, configurando um regresso aos temas dos seus livros mais importantes, apresentando episódios e singularidades da vida da América Latina.
O novo romance do escritor peruano, nascido em 1936, Prémio Nobel da Literatura em 2010, decorre na Guatemala, em 1954, e assume maioritariamente a natureza de uma reconstituição histórica, traçando o golpe militar orquestrado pelos Estados Unidos, através da CIA, que conduziu à queda do governo reformista eleito. Ao compor livremente esta recriação ficcional, com personagens que muitas vezes se fundem com figuras históricas, ainda que a narrativa assuma sobretudo um carácter documental, Vargas Llosa mostra como a verdade foi sacrificada, pelo que este romance é, tão somente, o recontar da história que já era, em si, uma ficção, uma mentira capaz de mudar o rumo de um país e de todo o continente da América Central. Tudo por uma questão de bananas.
A United Fruit, companhia que nos anos 50 estende a sua rede pelas Honduras, Guatemala, Nicarágua, El Salvador, Costa Rica, Colômbia e várias ilhas das Caraíbas, produzirá mais dólares que a maioria das empresas dos Estados Unidos e até mesmo do resto do mundo. Conhecida como a Fruteira, ou com a alcunha de «o Polvo» em toda a América Central, Gabriel García Márquez já nos dava uma ideia da sua acção determinante na América Latina numa passagem de Cem Anos de Solidão – onde se narra um massacre. E uma das ameaças à Fruteira é justamente a alegada influência que a União Soviética tem na Guatemala, cujo governo democrático estaria infiltrado por comunistas que pregam contra a propriedade privada, o pan-americanismo, o mercado livre…
Ao longo do livro, Vargas Llosa traça como os tentáculos de uma conspiração, manietada de forma por vezes bastante desajeitada por um embaixador norte-americano, apertam o cerco a Jacobo Árbenz, presidente moderado e democraticamente eleito, que será destituído sob ameaça de um golpe militar (ao jeito latino-americano), acusado de encorajar o comunismo soviético na Guatemala. Para, por fim, quando se reconhece que afinal ele não tinha sido comunista, mas tão somente vítima de uma «publicidade reivindicatória», «um homem incauto e bem-intencionado que só quis trazer o progresso, a democracia e a justiça social ao seu país» (p. 283), os Estados Unidos, incomodados com a campanha internacional desencadeada contra Washington, tentam que esta história seja rapidamente esquecida.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.