Publicado muito recentemente, há alguns dias, pela Relógio d’Água, Os Perseguidores, de Ana Teresa Pereira, reúne três breves narrativas aparentemente díspares. A uni-las, entre outros temas que trataremos adiante, temos a imagem do pássaro, animal quase sempre imbuído de algo sinistro.
A primeira história, «A Firefly Hour», conheceu duas versões anteriores publicadas em As Velas da Noite e A Cidade Fantasma.
A protagonista é uma jovem de 22 anos, que escreve histórias policiais, contos para revistas pulp, e em tempos publicou um romance que não vendeu muito mas adorado pela crítica.
«Para mim, era só mais um homem a destacarse do fundo prateado. Aceitei o bilhete azul e rasgueio em dois. Não olhei para o rosto dele; nunca olho para os rostos deles. Fato cinzento, camisa cinzenta. Camisa limpa.» (p. 11)
Assim inicia a história que, em espelho, reflecte as narrativas da autora, e simultaneamente executa uma mise en scène da sua prosa:
«Sentei-me na cama. Ele ajoelhou-se à minha frente.
És tão bonita. Como a rapariga das minhas histórias.
É sempre a mesma?
Tem sempre o mesmo nome.» (p. 19)
«A Lagoa», a segunda narrativa, conta a história de um triângulo amoroso, Tom, April e a narradora. April e ela eram «as meninas da velha casa» (p. 61), quase iguais. A primeira diferença que as pessoas notavam era o cabelo, mas a verdadeira diferença estava «nos olhos: os meus de um azul límpido, os de April mais escuros, quase cinzentos. E nas mãos: as minhas são bonitas e macias, as de April magras e arranhadas, como garras.» (p. 52)
Depois de desaparecida durante 7 anos, na véspera do seu casamento, quando tinha 19 anos, April regressa de súbito e ameaça usurpar o lugar da jovem que se parece com ela.
«Quando penso em nós, é quase sempre como três crianças a brincarem às escondidas no nevoeiro.» (p. 71)
O terceiro conto a fechar o tríptico é, finalmente, o que dá nome ao presente volume, como se as duas primeiras histórias preparassem subtilmente o caminho. Temos novamente um triângulo amoroso: Jenny, Alan e Stella.
«Fomos sempre nós três, não é verdade?
Éramos dois. Tu eras a intrusa.» (p. 97)
Jenny mudou-se em tempos com a mãe para uma aldeia junto ao mar e sente-se sozinha como nunca nesse primeiro Outono. Perto do Natal, descobre Alan, um jovem de um colégio interno em férias. Quando se reencontram na Primavera, apenas dispõem de 2 dias para si, quando de súbito entra em cena Stella. A sua beleza, ainda que similar à de Audrey Hepburn, parece empalidecer, sentindo-se preterida face a Stella.
«Foi um dia, quando Alan estava a mostrar-lhe um desenho, e o seu cabelo louro, olhos azuis e pele branca quase não pareciam naturais, que decidi ser bonita quando crescesse.» (p. 81)
Como tantas vezes acontece com as protagonistas da autora, Jenny é uma pintora que, assim lhe diziam os professores na universidade, se dispersa demasiado: «Escrevia, pintava, compunha música.» (p. 78) O mesmo acontece com Alan: «uma estranha mistura de escritor, pintor, músico» (p. 84).
Alan «estava com Stella e isso doía» (p. 91). Resta a Jenny o refúgio na sua arte e nas pequenas coisas que compõem a beleza na sua vida: «talvez passasse os dias a ouvir o canto de um pássaro, a ler romances policiais, a trabalhar no estúdio. E podia partir quando quisesse, naquelas expedições de que voltava com uma garrafa de água – de uma cascata, de um ribeiro debaixo de uma ponte. Podia continuar a perseguir… aquela coisa de que não sabíamos o que era mas intuíamos desde sempre.» (p. 92)
E é na água, nos lagos e lagoas também recorrentes na prosa da autora, como espelhos ou pontos de passagem, que Stella um dia desaparece.
Leave a Comment