Meg Wolitzer nasceu em Nova Iorque, em 1959, onde vive atualmente. Estudou Escrita Criativa no Smith College e é licenciada pela Brown University. É autora de trinta romances, dois deles já adaptados ao cinema,  estando mais dois, segundo parece, em fase de pré-produção para a sua adaptação. Destes últimos Os Interessantes é o  seu mais recente romance.

Os Interessantes, o seu décimo romance, foi publicado em 2014 pela Teorema, considerado o «Melhor Livro do Ano» pelo The New York Times. Juntamente com A Mulher, o outro também em fase de pré-produção, são as duas únicas obras da autora publicadas em Portugal.

Os seus romances inserem-se normalmente numa linha feminista, a excepção é Os Interessantes, um romance de formação de identidade que representa o retrato de uma geração.

Numa noite de verão de 1974, seis adolescentes conhecem-se num campo de férias, o «Spirit-in-the-Woods». Cathy, Jonah, Goodman, Ethan e Ash – três rapazes e duas raparigas -, todos de Manhattan, aos quais se irá juntar, como que por acidente, Julie: «Numa noite amena no início de julho daquele ano há tanto evaporado, os Interessantes reuniram-se pela primeira vez. Só tinham quinze, dezasseis anos, e começaram a utilizar esse nome com uma ironia titubeante. Julie Jacobson, uma intrusa que até podia ser excêntrica, fora convidada por motivos inexplicáveis e agora encontrava-se sentada a um canto do chão por varrer, tentando posicionar-se de forma a não incomodar e ao mesmo tempo não parecer patética, o que era um equilíbrio difícil de conseguir.» (p. 11).

Estes jovens são filhos da revolução sexual marcada pela depressão consequente do arrastamento da guerra do Vietname e, como é habitual a Meg Wolitzer, o romance centra-se na perspectiva de Julie, uma protagonista feminina, como o parágrafo inicial demonstra, mas somente para através dela se retratar toda uma geração que atravessa as questões políticas da época, em que no «final desse Verão, Nixon haveria de abandonar o cargo, deixando um rasto viscoso de lema atrás de si» (p. 14), passando pelo grassar da epidemia da SIDA, até chegar ao terror do 11 de Setembro e à recessão económica.

Na sua condição de “estrangeira” àquele modo de vida de um grupo de jovens privilegiados da “cidade”, e que por isso mesmo podem considerar as artes como área para as suas aspirações profissionais, Julie demarca-se por vários aspectos: mora nos subúrbios, em Underhill, numa casa igual a tantas outras da classe média-baixa americana, o que a constrange de a convidar algum dos novos amigos; o pai falecera meses antes vítima de cancro; filha de uma mulher recém-viúva, sem ambições além das de criar as filhas. Julie ingressa no campo de férias graças à sugestão da sua professora de inglês, que sabe haver uma vaga e ser possível aceitá-la como bolseira, até porque ninguém da sua vizinhança ia para campos daquele género, não só porque não tinham dinheiro, mas porque isso nem sequer lhes teria ocorrido: «Todos ficavam na terra e iam ao despojado centro de ocupação de tempos livres, passavam os dias longos com os corpos oleados na piscina municipal, empregavam-se na geladaria Carvel ou preguiçavam nas casas húmidas» (p. 16).

Em contraste, ali todos os jovens aspiram a grandes feitos e trabalham já no sentido de os alcançar: «Aqueles adolescentes à sua volta, todos eles da cidade de Nova Iorque, eram como realeza e estrelas do cinema francês, com um toque de qualquer coisa papal. (…) Em suma, naquele verão de 1974, quando ela ou qualquer um deles se distraía da concentração profunda e apática das suas peças de um só ato, acetatos para animação, sequências de dança e guitarras acústicas, acabava a fitar uma porta aberta para um futuro horrível, pelo que a regra consistia em desviar apressadamente o olhar» (p. 13).

O romance serve assim também uma intenção crítica, por vezes satírica, de modo a descrever a actualidade americana. Curiosamente, a própria personagem não é muito simpática no início do romance, dada a inveja que sente em relação ao novo círculo de amigos, que inesperadamente a irá acompanhar ao longo do resto da sua vida, e a sua ânsia em querer enquadrar-se, pois continua sempre insegura e a achar que a qualquer momento Ash Wolf se aperceba de que foi um erro a terem convidado a juntar-se àquele grupo. Julie passa entretanto a ser Jules, conforme os colegas a apelidam, o que no fundo está associado a um reconhecimento daqueles que ela olha como superiores de como ela própria é um adulto em potência e já não uma criança. É sintomático que seja nesse mesmo verão que Jules tenha descoberto a ironia: «A ironia era uma novidade para si e sabia-lhe inesperadamente bem, como uma fruta de verão até então indisponível. Em breve, ela e os outros seriam irónicos durante grande parte do tempo, incapazes de responderem a uma pergunta inocente sem carregarem as palavras com um pequeno ajuste mordaz.» (p. 12). E um dos recursos de Jules para melhor assegurar a sua inserção será justamente um certo humor auto-depreciativo, tornando-se sarcástica em relação a si própria, ao mesmo tempo que começa a acalentar a esperança de se tornar uma actriz de comédia, dado o sucesso que obtém na peça representada no Spirit-in-the-Woods.

Ethan Figman, um rapaz feio, mas cuja confiança o torna atraente, eternamente apaixonado por Jules, e um génio da animação, envolvido na história que ele próprio criou sobre um rapaz que entra num mundo paralelo a partir de uma caixa de sapatos debaixo da sua cama; Cathy Kiplinger, uma jovem dançarina que se encontra em luta contra o tempo e contra as transformações que daí advêm sobre o seu corpo, em crescimento nas partes erradas; Jonah Bay, filho de uma famosa cantora folk, o jovem belo que se revelará homossexual mais tarde, ele próprio dotado para a música, mas cujo talento lhe foi roubado; Ash Wolf, uma bela jovem de boas famílias, que se tornará a melhor amiga de Jules, e o seu irmão, Goodman Wolf, que não parece ter nenhum talento óbvio além do seu carisma e poder de atração irrefutável.

Décadas mais tarde, a amizade entre eles mantém-se embora tudo o resto tenha mudado. Jules resigna-se a ser terapeuta e casa com Dennis Boyd, um simples técnico de radiologia mas um homem sólido que lhe transmite segurança e com quem descobriu o amor que nunca conseguiu dedicar a Ethan; Goodman foge do país devido a ser suspeita de um crime que ameaça o seu futuro e coloca em perigo a relação de amizade entre todo o grupo; Cathy abandona a dança e o grupo, e torna-se uma empresária; Jonah dedica-se à engenharia mecânica; Ethan é o criador de uma série de televisão de sucesso e Ash, a sua esposa, é uma encenadora aclamada.

Este é um romance intenso e envolvente sobre o crescimento pessoal, a formação da identidade, a aceitação de quem somos afinal, marcado pela nostalgia e pelo sentimento de perda: perda de pessoas, do talento, da ideia que temos do nosso futuro bem como da nossa identidade passada.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.