O vento conhece o meu nome, com tradução de Carla Ribeiro, é o novo romance da autora chilena Isabel Allende, publicada pela Porto Editora.

Há vários anos que a escritora que nos deixou romances marcantes como A Casa dos Espíritos, Eva Luna, ou Filha da Fortuna, parece ter perdido o fôlego. Recuperou-o mais recentemente em Longa Pétala de Mar ou Violeta. Mas o certo é que a sua escrita tem oscilado bastante, com romances sofríveis e outros mais enlevantes.

A narrativa começa em Viena, em 1938. Samuel Adler tem 5 anos quando o pai desaparece, num dia em que os maus presságios são palpáveis, e culminam numa noite explosiva em que a sua casa é invadida e a sua família perde tudo. Conforme os eventos se precipitam, numa cidadã tomada pelo regime nazi, o casal é separado, e a mãe de Samuel resigna-se a enviar o filho, com o seu violino como única companhia, num comboio que transporta crianças judias para fora do país.

No Arizona, em 2019, Anita Díaz, uma menina cega, e a mãe tentam entrar nos E.U.A., como forma de sobreviver à violência que grassa no seu país, El Salvador, um dos mais violentos do mundo. Separadas na fronteira, ao abrigo de uma nova lei que regulamenta a imigração, Anita deixa de saber do paradeiro da mãe, durante anos, enquanto vai sendo colocada em instituições de acolhimento. Este caso, entre milhares de outros similares, chama a atenção de Selena Durán, californiana de ascendência latina, que convence Frank Angileri, um jovem advogado, a reencontrar a mãe e a reuni-las.

Cruzam-se duas histórias de duas crianças vítimas das consequências da guerra e da migração forçada, separadas por 8 décadas, até o culminar de um reencontro que ocorre em plena pandemia. A própria autora, como se sabe, saiu do Chile após o golpe militar e nunca regressou.

Em O vento conhece o meu nome multiplicam-se as personagens, muitas vezes oriundas de cenários de revoluções, guerrilhas, ditaduras e guerras. Os temas são prementes, mas muitas vezes passados a correr e em jeito de dados estatísticos. As várias partes da história não encaixam verdadeiramente, pelo que o romance parece resultar numa manta de retalhos, em vez de um mosaico. É difícil criarmos empatia com as personagens que, aliás, parecem lugares-comuns que nunca chegam a ser verdadeiramente aprofundados. Grande parte da narrativa é contada em retrospectiva, como se a autora se esforçasse por apanhar um comboio, de forma a chegar ao destino desejado. Quando, no início do livro, lemos sobre o caos que se instala em Viena, é escusado, numa narrativa que pretende narrar a par e passo os eventos como se os vivêssemos no momento, explicar que aquela é a infame Noite de Cristal.

É um romance que entretém e certamente agradará a muitos leitores, mas para quem conheceu a pujança de Isabel Allende e a sua magia na forma como tece uma história, mesmo os ocasionais espíritos que por aqui passam e o humor irreverente que discretamente pontua certas passagens, não salvam esta leitura.

Isabel Allende nasceu em 1942, no Peru. Passou a primeira infância no Chile e viveu em vários lugares na adolescência e juventude. Depois do golpe militar de 1973 no Chile, exilou-se na Venezuela e, desde 1987, vive como imigrante na Califórnia. Define-se como “eterna estrangeira”.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.