O Tamanho do Mundo é o mais recente romance de António Lobo Antunes, publicado pela Dom Quixote a 18 de Outubro, pouco depois de o autor tem completado 80 anos no dia 1 de Setembro. Este é o seu 32.º romance e, muito possivelmente, o mais breve e depurado de todos. Como aponta Isabel Lucas, na sua recensão para o Ípsilon (do dia 11 de Novembro de 2022), o autor foi buscar o título deste novo romance ao seu quarto livro de crónicas. Ainda que continue a publicar a um ritmo regular de um livro por ano, há uma constante ameaça, por parte do próprio autor, de que o próximo será o último… pelo que é inevitável ficar a pairar no ar a permanente interrogação que se coloca em torno dos romances de Lobo Antunes: será de facto este o seu último romance?
Escrever sobre Lobo Antunes é tão desafiante como lê-lo, embora esta narrativa seja menos labiríntica, mais escorreita, sem frases entrecortadas e intercaladas que se perdem noutras tantas, como um fluxo de consciência que se ramifica em vários cursos. A polifonia resume-se aqui a uma alternância entre quatro personagens que tomam à vez a palavra, capítulo a capítulo, para que o leitor melhor as compreenda.
O protagonista é um homem de 77 anos (quase a idade do autor), um empresário doente. A memória começa a falhar-lhe, num outro tema que é caro ao autor, e que dá nome ao seu romance de estreia (Memória de Elefante): “que coisa estranha a memória, ela de há tempos para cá ia jurar que a faltar-me, tantos espaços, de repente brancos, nada de modo que o passado se desequilibra” (p. 16). Contudo, por outro lado, é ao passado que este velho se agarra: “olha a porção de episódios antigos que duram em mim” (p. 20). Vive assim os dias preso ao passado ou ao remorso, de quando visitava uma mulher e a filha numa cave nos subúrbios. A filha é agora uma mulher e assumiu a gestão da empresa do pai. Menos relevantes são outras duas personagens, que surgem como concorrência, uma jovem, da idade da filha do velho, que lhe presta alguma companhia sexual e o advogado, e amante dessa mesma rapariga, que tenta controlar os trâmites da fortuna do velho.
Um dos narradores interroga-nos, logo nas últimas linhas do primeiro capítulo, qual é afinal o tamanho do mundo. Afinal não se mede pelo poder ou pelo sucesso, da mesma forma que este homem, que se tornou presidente de uma grande empresa, mede o seu tempo e a sua vida por pequenas coisas e por pessoas que antes menosprezava. As primeiras linhas ditam justamente como a solidão se mede “pelos estalos dos móveis à noite” na casa “quando os objetos a aumentam à nossa volta, atentos, opacos, graves, ameaçando-nos de não sei quê” (p. 17), no centro dos naperons, “inclinados para mim a escutarem” (p. 23).
O livro compõe-se assim como uma ópera quase minimalista (entre o som dos pingos da torneira e os estalos dos móveis), cheia de repetições, e evocam-se motivos que funcionam como instantâneos de um quotidiano nacional portuguesinho, seja os pombos, seja uma vila que se afundou numa barragem (p. 215). Mas neste romance confluem ainda variadíssimos outros temas, como se o autor tocasse no conjunto da sua obra, cruzando a solidão, a memória, “esse caixote de sobejos pálidos” cheio “de acontecimentos supérfluos”, (p. 211), a angústia dos pobres que tentam singrar na vida, ou mesmo a guerra colonial (p. 82).
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