Michael Cunningham é o autor de As Horas, galardoado com o Pulitzer Prize e o PEN Faulkner Award, tendo este livro sido adaptado ao cinema num também excelente filme, com Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman nos principais papéis. Um livro difícil ao início, pela escrita complexa e densa, mas onde depois se mergulha numa história envolvente e sobejamente original, onde se cruzam três tempos, três espaços e três histórias diferentes. Parte-se da ideia desenvolvida por Virginia Woolf no seu clássico Mrs. Dalloway, para passar a contar uma história condensada num único dia determinante na vida destas três personagens femininas: a escritora Virginia Woolf, a leitora Laura Brown, que vive um momento de profunda crise emocional e cujas decisões ao final do dia serão marcantes na vida de toda a sua família, e a editora Clarissa que vive na moderna Nova Iorque. Clarissa é a melhor amiga de Richard e uma espécie de pilar ou de ponte com o exterior entre este escritor, que vive confinado no seu apartamento, onde está a morrer com VIH. O início do livro é ainda profundamente marcante pela própria cena profundamente visual em que a escritora Virginia Woolf se aproxima de um riacho onde entra completamente vestida e com pedras nos bolsos dos casacos, pronta a cometer suicídio. A partir desse prólogo inicial, recuamos no tempo até um dia aparentemente como qualquer outro na vida da autora, mas num dos piores anos da sua vida, num período em que sofria de depressão profunda e a história vai sendo narrada de forma alternada e tripartida. Laura Brown, além de estar a ler o livro escrito por Virginia Woolf umas décadas antes, tem em comum com essa personagem o facto de se sentir igualmente deprimida, centrando-se a sua história no dia do aniversário do seu marido, em que ela, acompanhada pelo seu filho de cerca de quatro anos, se sente na obrigação, enquanto esposa e dona de casa, de fazer um bolo de aniversário perfeito como forma de agradecer ao marido o seu casamento perfeito. De forma subtil, em que a escrita do autor entra através da «corrente de consciência» no pensamento das personagens, um pouco à semelhança do próprio estilo de Virginia Woolf, e conforme o período em que esta começava a entrar em “moda”, pelo que nós leitores nunca sabemos bem o que está a ser objetiva ou imparcialmente narrado e o que é pensamento das personagens. O grande trunfo do seu romance é a chave de ouro no final, em que percebemos que duas das histórias se cruzam e se interligam de forma muito mais direta do que inicialmente se poderia ter previsto.
Michael Cunningham é ainda o autor de Uma Casa no Fim do Mundo, igualmente adaptado ao grande ecrã, com Robin Wright e Colin Farrel nos principais papéis, que conta a história de uma relação de amor e amizade entre dois homens e a sua melhor amiga, e de Sangue do Meu Sangue, cuja ação se centra essencialmente num jovem adolescente, e acompanha três gerações de uma família, com as suas ambições, desilusões e amores.
Dias Exemplares foi o romance que se seguiu imediatamente ao premiado As Horas, possuindo como traço comum o facto de ser um livro cuja história é construída, mais uma vez, de forma tripartida. As diversas partes do romance parecem não se intercruzar de forma eficaz, apesar da história procurar ser inovadora e original, lembrando um pouco o livro Atlas das Nuvens, de David Mitchell, adaptado recentemente ao grande ecrã. Encontramos sempre o mesmo grupo de personagens – um rapaz e um casal – neste tríptico: «Dentro da Máquina» é uma história situada na Revolução Industrial, época em que a humanidade enfrentava as realidades alienadoras da nova era mecanizada; «A Cruzada das Crianças» decorre no início do século XXI, narrando a perseguição a um grupo de bombistas suicidas que aterrorizam a cidade de Nova Iorque; «Uma Espécie de Beleza» evoca uma Nova Iorque futura invadida por uma vaga de refugiados oriundos do primeiro planeta habitado a ser contactado pelos seres humanos. Cruzam-se assim, ao estilo pós-moderno, as convenções de géneros tão díspares como o romance policial e a ficção científica.
O romance Ao cair da noite, narra a vida de Peter e Rebecca Harris, um casal que anda na casa dos quarenta e vive em Manhattan. Ele é negociante de arte e ela trabalha como editora numa revista da especialidade. Habitam um moderno apartamento, têm uma filha a estudar na universidade de Boston e entre amigos inteligentes e sofisticados levam um animado e invejável estilo de vida urbano contemporâneo, parecendo ter todas as razões para serem felizes. Toda esta construção que não é de todo uma fachada acaba por ruir quando o irmão muito mais novo de Rebecca surge em cena. Ethan, conhecido na família como Mizzy, «O Erro», visita-os e parece colocar em causa a heterossexualidade de Peter, que começa a sentir-se estranha e irremediavelmente atraído pelo cunhado. Numa espécie de Morte em Veneza, e relacionando-se mais ou menos diretamente com o tema da arte, esta atração parece catalisar questões maiores e mais filosóficas como o significado da beleza e o papel do amor nas nossas vidas.
A Rainha da Neve é o último romance do autor, tendo sido lançado há poucos dias pela Gradiva, com um muito curto espaço de intervalo entre a sua publicação original e esta subsequente tradução. É descrito como um «romance luminoso» pois começa justamente com uma visão. Corre o mês de Novembro de 2004 e Barrett Meeks, tendo perdido um amor uma vez mais, atravessa o Central Park quando se sente impelido a olhar para o céu. Ali avista uma luz pálida, translúcida, que «parece olhar para ele de uma forma inequivocamente divina». Barrett não acredita em visões nem é particularmente devoto, mas nunca coloca em causa o que viu e sentiu, como se um olho divino tivesse rasgado o céu e o fitasse diretamente. Entretanto, Tyler, o irmão mais velho de Barrett, é um músico em busca de inspiração pois tenta, aparentemente sem grande sucesso, escrever uma canção de casamento para Beth, a sua noiva doente com cancro. Tyler procura compor uma letra de uma música que não seja simplesmente mais uma balada sentimental mas a manifestação expressa de um amor duradouro. O autor segue os irmãos Meek nos seus diferentes percursos em busca de uma espécie de transcendência, um nas relações amorosas e outro na forma de cristalizar e eternizar a memória desse amor através de uma forma de arte – sendo a questão da arte e, por conseguinte, da beleza, uma constante nos romances de Michael Cunningham. Este último romance retorna aos anteriores na medida em que a história parece compor-se de momentos chave na vida das personagens, que desta vez vamos acompanhando ao longo do tempo, numa notória evolução das suas vidas, em que cada mudança por muito trágica que pareça parece significar efetivamente uma melhoria na vida de cada ser humano aqui descrito.
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