O avesso da pele, publicado pela Companhia das Letras, é o terceiro romance de Jeferson Tenório, uma nova voz da literatura brasileira, e está a ser adaptado ao cinema. No dia 25 de Novembro, O avesso da pele foi anunciado como vencedor do Prémio Jabuti na categoria de Romance literário.
Numa prosa escorreita e solta, conforme o fluxo de pensamento do narrador, Pedro, a narrativa assume a natureza de uma carta de um filho em jeito de despedida. Nestas linhas um filho procura um reencontro póstumo com um pai que mal conheceu. Os pais separaram-se tinha ele um ano de idade, e o pai sempre foi distante, além de ter o condão de se perder nos seus pensamentos. Nesta história nascida a partir da perda, é mediante o caos dos objectos deixados para trás – fotos, cadernos, papéis, pastas do seu trabalho como professor de língua portuguesa e literatura no ensino público – que o filho intenta dirigir-se ao pai, Henrique, ao mesmo tempo que reconstitui a vida deste. É a reorganizar e coligir os retalhos da vida do seu progenitor, morto com cerca de 52 anos, que pode dar forma à sua própria identidade. Só a meio do livro, no capítulo 12, o narrador nos falará um pouco de si próprio, a começar por quando se apaixonou, pouco depois de entrar na faculdade. Mais perto do final, a narrativa adopta ainda a perspectiva de uma terceira pessoa, determinante para o desfecho.
Este é um romance impactante e fracturante sobre identidade e família, analisando a complexidade das relações humanas, como a relação fugaz e pouco pacífica entre pai e mãe. Esta é também, e acima de tudo, uma história de vida marcada pela raça – tema central ao livro tratado de forma discreta (sem incorrer num registo panfletário ou didático). A narrativa lança ainda pistas, subtis, do final trágico que, infelizmente, ressoa a trágica realidade. Pois Henrique vive marcado pela sua condição de homem negro no sul do Brasil – «metade dos seus problemas estava contida na cor da pele» (p. 90) –, que em 1980 passa a viver em Porto Alegre, a cidade «mais racista do país» (p. 81), toda a vida confundido com um bandido, enquanto tenta escrever a sua história de superação, «condição permanente de sobrevivência» (p. 73). Era inclusivamente raro haver professores negros nas escolas do sul, num país profundamente racista onde um anúncio de emprego a pedir alguém com boa aparência significa, afinal, ser branco.
O autor nasceu no Rio de Janeiro em 1977. Está radicado em Porto Alegre e é doutorando em Teoria Literária.
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