Quando viajo gosto de levar comigo um livro de viagens relacionado com o destino de férias. Desta vez, apesar de haver diversos romances situados em Malta, não encontrei nenhum livro das colecções de viagens de editoras como a Relógio d’Água ou a Tinta da China. Mas houve uma amiga que em boa hora me aconselhou A Deusa Sentada, de Helena Marques.
Laura parte de Lisboa com a sua prima Matilde, oito anos mais nova, numa viagem de busca das suas raízes maltesas, pois diz-se que o avô André era originário de Malta, tendo casado em 1767. Mas acabam por encontrar muito mais do que isso.
A autora cruza locais distintos como a ilha da Madeira, Malta, Inglaterra e Portugal, numa retrospectiva histórica muito bem tecida, e justificada pelo passado das várias personagens que aqui se cruzam. Tão depressa lemos sobre os refugiados de Gibraltar em Junho de 1939 que encontraram no Funchal uma nova morada, como sobre Malta ter sido devastada durante a II Guerra, pelos olhos de personagens que o vivenciaram, com mais de mil toneladas de bombas em Fevereiro de 1942, ou mesmo sobre o 25 de Abril.
A autora apresenta informação histórica, mas sempre de uma forma muito bem conseguida, sem que pareça que está simplesmente a debitar dados como um guia de viagens ou um livro de história. Além disso, aborda-se ainda duas gerações distintas: Matilde, nascida em 1945, «da geração de sessenta, os das lutas universitárias, da resistência académica, e os outros, os franceses de Maio de 68 e os americanos que denunciaram a guerra do Vietname» e os outros, como Matilde, que eram muito novos para vivenciar a Revolução de Abril.
O livro fala-nos sobre as maravilhas naturais e culturais de Malta, lugar de chegadas e partidas, uma ilha onde várias raças se foram cruzando ao longo dos séculos e todos os povos mediterrânicos se miscigenaram, onde a pessoa com a pele mais morena pode revelar uns olhos de um azul meditrrerânico, como o mar que abraça a ilha, onde se fala uma língua derivada do fenício que soa áspera como o árabe mas em que o inglês, apesar de ser geralmente utilizado, dá lugar ao português, pois devido à presença italiana é bem possível que nos dirijamos a alguém em inglês (enquanto falamos em português com a pessoa ao nosso lado) para ele nos responder em italiano revelando que nos compreende claramente.
A prosa da autora corre como um rio e este livro lê-se muito muito bem.
«Forte, intrépida, imperturbável, paciente, vendo chegar invasor atrás de invasor na certeza de que todos acabariam por partir, guardando o que cada vaga trazia de bom, ignorando o que era inútil ou maléfico, ensinando o seu povo a resistir e a preservar os valores tradicionais (…) mantendo-se ela, através dos tempos, através das invasões e das conquistas, a mesma ilha-mãe acolhedora, sedutora, misteriosa, terna e eterna (…), Malta é a própria Deusa-Sentada.» (p. 189)
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