Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro, de Susana Moreira Marques, publicado pela Companhia das Letras, é o título inaugural de uma nova coleção de não-ficção literária, única em Portugal, que pretende revelar vozes literárias de excelência em língua portuguesa. Actualmente a colecção conta já com quatro títulos.
Este primeiro título, Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro, constitui efectivamente um feito inédito no panorama literário português, pois mescla ensaio, diário, testemunho e um relato de antropologia social. A autora toma como guia o livro de Maria Lamas, As mulheres do meu país, obra aliás que já não se encontra facilmente, para tecer o seu próprio relato de viagem. Ao seguir o trilho desse livro, a autora revisita a sua história pessoal, e é a figura tutelar da avó que aqui ilumina a sua escrita, como se nesta escrita sobre as mulheres desse tempo pudesse também reconstruir a história de uma avó que, como se apercebeu demasiado tarde, pouco conhecia.
Ao partir em busca dessa herança esquecida, a autora parece reencontrar-se através da escrita. Uma escrita que se compõe em notas soltas, apontamentos breves, entre o melancólico e o reflexivo, ideias soltas que vão pousando e ramificando-se ao longo do texto. Frases que surgem como instantâneos de um país, entre o ontem e o hoje, numa escrita ensaística que ganha aqui e ali uma leveza lírica e uma profundidade literária, entre o autobiográfico e o retrato cultural.
Esta peça de não-ficção literária resulta assim do cruzamento de um livro, escrito no final dos anos 1940 por Maria Lamas, figura de proa do ativismo político feminista em Portugal, e ainda tradutora e jornalista. Simultaneamente esta obra assume-se como um (possível) roteiro da escrita do filme Um nome para o que sou (2022), que a autora escreveu e narrou. O filme, a par deste pequeno livro, é sobre o processo de escrita de As Mulheres do Meu País, com base no espólio e nos diários, assim como uma reflexão sobre a própria Lamas.
Que interessante. Maria Lamas continua actual.
Este livro comprova-o.