Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro, de Susana Moreira Marques, publicado pela Companhia das Letras, é o título inaugural de uma nova coleção de não-ficção literária, única em Portugal, que pretende revelar vozes literárias de excelência em língua portuguesa. Actualmente a colecção conta já com quatro títulos.

Este primeiro título, Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro, constitui efectivamente um feito inédito no panorama literário português, pois mescla ensaio, diário, testemunho e um relato de antropologia social. A autora toma como guia o livro de Maria Lamas, As mulheres do meu país, obra aliás que já não se encontra facilmente, para tecer o seu próprio relato de viagem. Ao seguir o trilho desse livro, a autora revisita a sua história pessoal, e é a figura tutelar da avó que aqui ilumina a sua escrita, como se nesta escrita sobre as mulheres desse tempo pudesse também reconstruir a história de uma avó que, como se apercebeu demasiado tarde, pouco conhecia.

Ao partir em busca dessa herança esquecida, a autora parece reencontrar-se através da escrita. Uma escrita que se compõe em notas soltas, apontamentos breves, entre o melancólico e o reflexivo, ideias soltas que vão pousando e ramificando-se ao longo do texto. Frases que surgem como instantâneos de um país, entre o ontem e o hoje, numa escrita ensaística que ganha aqui e ali uma leveza lírica e uma profundidade literária, entre o autobiográfico e o retrato cultural.

Esta peça de não-ficção literária resulta assim do cruzamento de um livro, escrito no final dos anos 1940 por Maria Lamas, figura de proa do ativismo político feminista em Portugal, e ainda tradutora e jornalista. Simultaneamente esta obra assume-se como um (possível) roteiro da escrita do filme Um nome para o que sou (2022), que a autora escreveu e narrou. O filme, a par deste pequeno livro, é sobre o processo de escrita de As Mulheres do Meu País, com base no espólio e nos diários, assim como uma reflexão sobre a própria Lamas.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.