E se eu gostasse muito de morrer é o primeiro romance de Rui Cardoso Martins. O título não é original pois terá sido retirado da obra de Dostoiveski, Crime e Castigo. Nesta obra impera o humor negro – se bem que a ironia e um certo grotesco estejam presentes em toda a escrita do autor -, como forma de retratar um tema sério e polémico, o suicídio no Alentejo, sobre o qual se lançou também recentemente um livro, de Henrique Raposo. Apesar da seriedade do tema, o autor recorre muitas vezes ao humor e ao ridículo na narrativa, como aliás o faz quase sempre, e a intriga acaba por se desenrolar de forma aparentemente caótica, com histórias dentro de histórias – outra das características da sua escrita -, se bem que nesta obra existe a particularidade de quase sempre que uma personagem é introduzida há sempre espaço para se descrever a morte da mesma e sempre, ou quase sempre, por suicídio.
As personagens são todas jovens do sexo masculino apresentadas pelas suas alcunhas, à medida que a narrativa se parece centrar num grupo de jovens mas o tu que conta a história, o protagonista, é Cruzeta que parece ser um jornalista.
As narrativas de Rui Cardoso Martins são sempre narradas na primeira pessoa, se bem que aqui temos a particularidade de haver um narratário, um tu, que depois percebemos ser o próprio protagonista a falar consigo próprio ou a escrever para si mesmo. O discurso torna-se por vezes desconexo, o que parece aliás retratar uma certa pós-modernidade de escrita, em que tudo acontece em simultaneidade e o tempo é fugaz e colectivo, onde muitas histórias e vozes, e ecos de citações ou situações, confluem na intriga nem sempre linear, até que se aproxima de um final insólito – que também configura os vários romances do autor. A oralidade e a repetição, além de um eu que fala consigo próprio, sendo o discurso narrativo um género de voz interior que discorre livremente, jogam um papel chave na escrita do autor, onde entram diversos registos, onomatopeias, etc..
A história centra-se num tempo incerto e num local não nomeado mas que depois percebemos ser a cidade natal do autor, Portalegre, havendo mesmo a referência à Toada Portalegre, escrita por José Régio, apesar de a cidade nunca ser nomeada. E um dos temas recorrentes nas obras de Rui Cardoso Martins, além da questão do suicídio que é muito específica da realidade alentejana, é o da crise económica e dos tempos difíceis que se vivem e a que se alude por diversas vezes.
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