Daqui a Nada, de Rodrigo Guedes de Carvalho, foi novamente publicado pela Dom Quixote numa edição que assinala os 30 anos deste romance. Daqui a Nada assinalou a estreia literária do jornalista na literatura, em 1992, e valeu-lhe o Prémio Jovens Talentos da ONU. O autor escreveu este romance com 20 anos, tendo sido publicado cerca de uma década depois.
Romance complexo e subtil, narrado a três vozes, a de pai, mãe e filha, compartimentadas em vários capítulos.
No centro da intriga, que se desenrola sobretudo no Norte de Portugal, situa-se Pedro, ex-combatente da guerra colonial, homem destroçado pelas memórias que se sobrepõem ao presente. Regressado da guerra, descobre que a mulher, julgando-o morto, se terá envolvido com um amigo, pelo que decide nunca procurar a mulher e a filha. Vive agora com outra mulher, mais nova, numa relação conturbada. À voz de Pedro, no remorso da decisão que o afastou da filha, sucede-se o relato de Marta, que, recuando mais no tempo, desenha os contornos do que sucedeu, presenteando o leitor com a versão da história que Pedro nunca quis saber. O tempo presente da narrativa parece centrar-se num só dia (onde cabem várias décadas), o que lembra outros romances portugueses também sobre a guerra colonial como Memória de Elefante, de António Lobo Antunes (o livro é-lhe dedicado). Sem datas claramente definidas, a história foca-se em momentos-chave intervalados entre si por cerca de duas décadas. Sabemos que Marta nasceu na Primavera de 45 e o pai, incapaz de viver com a mulher, as abandona quase 20 anos depois. O pai de Pedro morre quando ele próprio tinha cerca de 22 anos. A filha do casal nasceu a 22 de Novembro de 1963, e cerca de 22 anos depois é a sua voz que encerra a narrativa, com um desfecho trágico sucedido numa véspera de Natal.
Um romance inteligente e complexo que deixa a cargo do leitor juntar as várias peças e perspetivas da história de uma família devastada pelas feridas da guerra colonial, pela recusa em ouvir o outro, pelos desencontros da vida. Estes pais que não sabem ser pais e viram costas à família, parecem também representar as feridas de um país que, anos depois da guerra no ultramar, continua a soçobrar: «o tempo do meu país obrigou-nos a envelhecer mais depressa, a procurar mais depressa o que se deixou por fazer» (p. 167). É também no ato da escrita, gesto que partilha com o pai, que Pedro procura reorganizar-se: escrevia, pai, para me convencer responsável por algo, para me sentir dono do que em mim habita e se recusa a existir» (p. 160).
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