Colm Tóibín nasceu em 1955 numa cidade no sudeste da Irlanda, em Enniscorthy. Este autor é um dos mais conceituados ficcionistas de língua inglesa, além de ensaísta, jornalista da área da cultura e crítico literário, em publicações de prestígio como The London Review of Books e The New York Review of Books. Publicou cerca de vinte títulos, entre ficção e ensaio, sendo que o primeiro romance a ser traduzido em Portugal foi A História da Noite (Bizâncio), seguido de O Navio farol de Blackwater (Dom Quixote), que esteve entre os finalistas do Prémio Booker em 1999. Estes dois títulos terão contribuído para que Colm Tóibín passasse a ser apelidado ou catalogado como autor de literatura gay.
Foi, todavia, O Mestre que lhe trouxe reconhecimento internacional. Considera-se, normalmente, este livro como uma biografia ficcionada de Henry James (autor de Retrato de uma Senhora, entre outros clássicos), se bem que, na verdade, O Mestre cubra apenas um dado período da vida do autor, dando-nos a conhecer o homem por trás do nome, com as suas inseguranças e anseios. Esta obra esteve entre os finalistas do Booker em 2004 mas mais uma vez não venceu. Contudo, ganhou o Dublin IMPAC, um prémio que apesar de pouco conhecido, é dos mais conceituados, reservado a obras editadas em língua inglesa, e que consiste numa quantia que ronda os 110 mil euros.
Brooklyn é um dos livros mais lidos do autor e, a propósito do lançamento do filme com o mesmo nome, e nomeado para os Óscares – um filme belíssimo e comovente sem raiar o melodramático e o xaroposo -, a Bertrand reeditou o livro originalmente publicado em 2009, agora com nova capa, alusiva ao filme. O livro estreou a 14 de Janeiro, com realização de John Crowley e argumento do escritor inglês Nick Hornby.
Brooklyn foi finalista do Man Booker Prize e ganhou finalmente o prémio Costa, outro prémio aparentemente desconhecido, mas por uma razão válida, pois originalmente o prémio Costa Book tinha a designação de Whitbread Book Awards, criado em 1971, destinado exclusivamente a autores radicados nas ilhas do Reino Unido e da Irlanda, e patrocinados desde 2006 pela cadeia de lojas de café muito popular aí, Costa Coffee, uma subsidiária da Whitbread, o que motivou a mudança de nome do prémio. Uma das grandes surpresas foi Brooklyn ter sido eleito na categoria de melhor romance em detrimento de outro grande livro, Wolf Hall, de Hillary Mantel.
A protagonista da história é a jovem Eilis Lacey que, à semelhança do autor, vive em Enniscorthy durante a década de 50. Esta jovem não parece ter grandes aspirações, sentindo-se confortável com a vida simples que leva. O próprio meio em que Eilis vive não dá espaço a grandes sonhos ou desejos, pois é um local com poucas ofertas de trabalho ou mesmo de casamento. Eilis trabalha assim numa mercearia, com uma patroa que é bastante insuportável, e partilha a casa com a mãe e a irmã mais velha Rose, com quem tem uma relação de grande afinidade, pois o pai já faleceu e os irmãos emigraram para Inglaterra em busca de melhores oportunidades. Rose trabalha num escritório e é ela quem basicamente sustenta a família. E, preocupada com o futuro da irmã, no sentido de providenciar-lhe uma vida com horizontes, encontra uma solução para o seu dilema quando acidentalmente trava amizade no clube de golf com um padre que vive na América e está temporariamente de visita à cidade. É particularmente relevante atentar como o amor de Rose para com a irmã mais nova, e a sua decisão em “empurrá-la” para fora do ninho, significa, por outro lado, a anulação de qualquer possibilidade de mudança em relação à sua própria vida, pois ela opta por ficar e continuar a apoiar a mãe. O padre, um velho amigo de família, disponibiliza-se a ajudar Rose e encontra um trabalho para Eilis. Rapidamente, Eilis dá por si a atravessar o Atlântico, para ser depois acolhida na casa de uma senhora irlandesa que aluga quartos a diversas outras raparigas que partilham o mesmo destino de Eilis. A jovem começa a trabalhar num relativamente prestigiado armazém de lojas, e apesar de no início parecer vogar através dos dias com alguma resignação, pois a personagem é quase sempre bastante passiva, a sua contenção sofre um abalo quando começa a receber cartas da irmã e é assolada pelas saudades de casa. E porque o ócio é inimigo da alma, Eilis começa, depois, a estudar à noite, para poder trabalhar como contabilista ou guarda-livros, à semelhança de Rose. A jovem que antes não mostrava ter grandes perspectivas de futuro e que parecia ver-se arrastada como uma folha ao vento, seguindo passivamente aquilo que os outros delineavam para ela (o que não invalida que fosse por simplesmente confiar nas decisões dos outros, feitas por amor, sentindo-se grata), vê-se agora cada vez mais adaptada à América e a procurar criar raízes. É também, mais ou menos por essa altura, que apesar de parecer relativamente indiferente aos esforços das suas companheiras de casa em encontrar um namorado, Eilis conhece um jovem italiano – outra das grandes diásporas no Novo Mundo – por quem, gradualmente, se deixa envolver numa relação amorosa que nasce, sobretudo, como uma amizade. A palavra amor aliás surge muito poucas vezes ao longo do livro, o que contribuiu para a sobriedade narrativa a que nos referíamos antes. Contudo, notícias trágicas vêm interromper este idílio em que Eilis começa a deixar-se mergulhar, à medida que sentia como sendo cada vez mais definitivo o não-retorno à Irlanda, e a jovem é obrigada a voltar a casa onde se verá, subitamente, confrontada com uma escolha, pois, por ironia do destino, encontra na sua terra natal as mesmas oportunidades que antes lhe faltavam e que terão contribuído para a sua emigração – uma possibilidade de casamento e um futuro profissional. A trama parece fechar-se assim de forma circular. Este romance é de leitura fácil, mas nem por isso superficial, e a história é tão simples e linear que pode até causar alguma estranheza o sucesso do livro, pois que a escrita deste autor, considerado um dos expoentes da literatura irlandesa, é extremamente contida, despojada de qualquer vaidade ou de ornamentação. Alguém escreveu que a escrita de Colm Tóibín constitui uma elegia às vidas banais, mas a vida de Eilis não é tão banal assim, pois este é também um relato de como, mesmo quando mudamos de continente, e perdemos todas as nossas referências, acabamos sempre por nos conseguir adaptar a uma nova vida. Brooklyn é ainda um cuidado retrato histórico no feminino de toda uma diáspora, fruto da geração de 50 ou, aliás, de sucessivas gerações que partiram em busca de novas oportunidades, não só a partir da Irlanda como inclusivamente de Portugal.
A Bertrand publicou ainda, em anos anteriores, uma colectânea de contos intitulada Mães e Filhos e o pequeno romance O testamento de Maria, adaptado a partir do guião que o autor escreveu para a Broadway, um monólogo protagonizado por Fiona Shaw.
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