Amy e Isabelle, de Elizabeth Strout, com tradução de Eugénia Antunes, integra agora o catálogo da Alfaguara que tem vindo a publicar a obra de uma das mais importantes autoras norte-americanas. Antes das emblemáticas personagens Olive Kitteridge e Lucy Barton, em torno das quais a autora tem vindo a construir séries de livros mais ou menos in(ter)dependentes houve Amy, uma filha insegura, detentora de uma magnifica cabeleira loura encaracolada por trás da qual se esconde, e Isabelle, uma mãe distante e uma mulher insegura.

Este foi o romance de estreia da autora, na altura finalista dos prémios PEN/Faulkner Award, Orange Prize e International Dublin Literary Award, e vencedor do Prémio Los Angeles Times Art Seidenbaum e do Prémio Chicago Tribune Heartland.

Um romance com uma escrita sólida, bem construído, envolto em mistério que se vai desvelando gradualmente, com segredos e histórias que explicam a actual inimizade e hostilidade entre uma mãe e filha que vivem na mesma casa e trabalham no mesmo escritório. Não tem ainda a segurança e ironia ou elegância da prosa de Strout dos outros romances, mas já se pressente a grande autora em que se veio a tornar. Curiosamente é também um romance mais extenso do que os outros que se lhe seguiram, como se a brevidade da prosa passasse a estar aliada a uma escrita mais concisa.

Um dos pontos fortes da narrativa é o modo como de quando em quando sobrevoa as várias personagens, ainda que secundárias, registando o que cada uma está a fazer naquele momento. É desta forma que a autora parece reforçar a ideia de que naquela pequena comunidade todos estão interligados e uma acção tem sempre inevitáveis e inimagináveis repercussões na vida de outros.

“A vida, delicada como um tecido, podia ser rasgada pelos golpes caprichosos de um momento aleatório e egoísta.” (p. 393)

É também essa consciência (e essa remissão) que acaba por avassalar Isabelle, provocando no final uma mudança no carácter da personagem, e retirando-lhe parte da sua insegurança. A mesma insegurança que a faz sentir-se inferior à filha e que a motiva a passar a ler romances, como Madame Bovary. Até que finalmente toma uma decisão sensata: “pensando (…) que talvez entretanto não voltasse a ler outro livro, pois a vida já era difícil o suficiente sem acrescentarmos as aflições de outras pessoas às nossas.” (p. 167)

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.