A Casa Ocupada, romance de estreia de Graça Videira Lopes, foi finalista do Prémio LeYa em 2022 e integra agora o catálogo das Publicações Dom Quixote.

O romance abre com uma voz narrativa externa, omnisciente (com comentários e apartes ocasionais), que nos dá conta de uma jovem, Júlia, a ler um caderno de receitas da avó numa cozinha num apartamento. Apartamento esse que é, por sua vez, resultado da renovação de um antigo palacete agora transformado numa propriedade horizontal para um segmento médio/alto do mercado, segundo o folheto da imobiliária (pág. 10). Palacete esse que foi mandado construir, em 1889, por um brasileiro torna-viagem, quando a Junqueira, em Lisboa, era ainda um “arrabalde bucólico semeado de quintas, palácios e casas de campo” (pág. 11). Quando Júlia e o marido Pedro, ambos economistas, compram a casa sujeitam-se também aos “fragmentos da memória” que vão ressurgindo ao acaso e entrando nas suas vidas, da mesma forma que há elementos da traça original da casa que se sobrepõem à moderna arquitectura.

É pela voz de Júlia, curiosa sobre o passado da casa, mas também da sua cunhada Sofia, do seu namorado, e outros narradores, que conhecemos as vidas destas personagens, os seus amores e desamores, mas também as histórias de figuras do passado, que a tal voz narrativa omnisciente vai desfiando. Constrói-se assim, sobre várias camadas, um breve e divertido romance, no seu jeito polifónico, cheio de peripécias e descobertas, em que o presente alterna ainda com o passado. Leremos sobre os últimos dias da monarquia ou sobre o acender das primeiras luzes de Lisboa, ao mesmo tempo que, nesta narrativa compósita, se recordam as vidas de homens como o republicano José Anastácio, o primeiro proprietário do palacete ou do pai de Pedro e de Sofia, maoista em tempos da Revolução de 1974, que corta relações com o pai (que o chama de comunista) e que depois virou um economista de sucesso. Há ainda oportunidade para conhecer alguns camaradas do MFA que ocuparam o palacete, entretanto abandonado em 1950, na altura da revolução de Abril de 1974.

Sem ordem cronológica, este é também um romance centrado nos estratos sociais mais altos (com um Pomar perdido por casa, quintas e casas de férias no Algarve), em que os vários fragmentos se encaixam num retrato da paisagem económica portuguesa ao longo do século XX:

“A farmácia ainda estava no mesmo sítio, muito embora renovada e rodeada agora por um McDonald’s e uma loja chinesa, síntese perfeita de uma modernidade que este simpático bisavô da Sofia teria sérias dificuldades em compreender, estou em crer.” (pág. 114)

Graça Videira Lopes nasceu em Mangualde, em 1952. Formou-se em Filologia Românica na Universidade Clássica de Lisboa e doutorou-se em Literatura Medieval na Universidade Nova de Lisboa, onde foi professora desde 1982 até à sua reforma. Deu ainda aulas nas universidades de Amherst (Massachusetts, USA), Barcelona e Paris (VIII e Sorbonne). Publicou livros de poesia e ensaio, sendo também coordenadora da edição integral das Cantigas Medievais Galego-Portuguesas. Dirige programas de investigação na área da literatura medieval.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.