Um Amigo para o Inverno, de José Carlos Barros, foi publicado em 2012 pela Casa das Letras, tendo a obra sido finalista da edição do Prémio LeYa desse ano. Agora, a poucos dias da publicação de As Pessoas Invisíveis, vencedor da edição de 2021 do Prémio LeYa, parece uma boa ocasião para apresentar o romance anterior do autor.
A narrativa baseia-se numa história verdadeira, quase desconhecida, de resistência à ditadura no Norte do País. A corroborar a sua autenticidade figuram fotos no final do livro, onde surge inclusivamente o “narrador” do romance, então criança, assim como fotos de documentos judiciais: mandado de captura, auto de detenção, sentença condenatória…
O sargento Francisco Aniceto Gonçalves (nome fictício para uma personagem real) chega em 1971 à Vila como novo comandante do Posto Territorial da GNR. A sua presença recém-chegada será imediatamente disputada por dois grupos distintos, que o alertam para os perigos que se escondem sob a aparente quietude das montanhas em redor:
«Compreendia que alguém
(todos?)
o confrontava com a legitimidade do poder e lhe exigia a escolha de um dos lados do muro que parecia levantar-se mais a cada momento.» (p. 49)
O aviso ganha especial sentido quando Rogério Afonso é assassinado na sequência de uma quezília relacionada com o roubo de águas.
Da mesma forma que o sargento Francisco Gonçalves se faz acompanhar de um único livro na sua bagagem, um policial de Maigret em Nova Iorque, de Georges Simenon, referido aqui e ali no texto, o leitor pode começar a suspeitar que também esta narrativa se reveste da natureza de um policial… O próprio sargento recusa-se a aceitar a explicação mais óbvia para a morte de Rogério Afonso.
«Francisco Aniceto Gonçalves é dado à leitura e muito particularmente batido em Simenon. Como o herói do seu herói, o comissário Maigret, ao sargento pouco o preocupavam as circunstâncias imediatas de um crime. Porque, salvo raras excepções, (…) acreditava que as razões de um crime vêm de muito antes da sua execução» (p. 56)
Numa narrativa belissimamente lírica, mais circular do que linear (as datas recorrentes na intriga surgem destacadas no corpo do texto), onde abundam personagens (também ao jeito de um policial), entre figuras do partido comunista e agentes da PIDE, homens solitários e mulheres determinadas, tece-se aqui o retrato de um país nas últimas décadas do regime salazarista. Note-se que o sargento parte da Vila a 24 de Abril de 1974. E a pontuar esta cerzidura narrativa está um estilo deliciosamente controverso (o início do romance é aliás uma reflexão sobre a importância do estilo na frase inaugural de uma obra), em que o narrador irrompe a dar ares da sua graça: «não sei, nesta desarrumada narrativa, sem um plano que haveria de ter como recomenda a teoria do romance, se já disse que corri mundo» (p. 152).
José Carlos Barros (Boticas, 1963) é licenciado em Arquitetura Paisagista pela Universidade de Évora e vive no Algarve, em Vila Nova de Cacela. A sua atividade profissional tem sido exercida nos domínios do ordenamento do território e da conservação da natureza. Foi diretor do Parque Natural da Ria Formosa.
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