O Prémio Leya 2018 foi atribuído ao romance Torto Arado do autor brasileiro Itamar Vieira Júnior. O vencedor do Prémio foi anunciado em Outubro de 2017 e a cerimónia de entrega do prémio decorreu no passado domingo, dia 2 de Junho, na Feira do Livro de Lisboa.
Torto Arado é um livro de grande solidez narrativa e que bebe da herança dos clássicos, pois lembra o universo romanesco de João Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas ou mesmo o realismo mágico sul-americano. Aqui a acção não se centra, portanto, nas metrópoles e no caos urbano ao jeito de Rubem Fonseca, mas sim num universo rural, suspenso num tempo incerto, em que eventos místicos são comuns na vida do povo de Água Negra.
Bibiana e Belonísia são duas irmãs, que nascem na Fazenda Água Negra, no sertão da Bahia, onde os seus pais trabalham a terra e nunca de lá saíram. Depois de um trágico acidente, provocado pela curiosidade involuntária de uma das irmãs, ao remexer numa velha mala escondida debaixo da cama, as circunstâncias impõem que com o passar dos anos uma aliança se crie entre elas, nem sempre pacífica, em que uma será a voz da outra: «Deveria se aprimorar a sensibilidade que cercaria aquela convivência, a partir de então. Ter a capacidade de ler com mais atenção os olhos e os gestos da irmã. Seríamos as iguais. A que emprestaria a voz teria que percorrer com a visão os sinais do corpo da que emudeceu. A que emudeceu teria que ter a capacidade de transmitir com gestos largos e também vibrações mínimas as expressões que gostaria de comunicar.» (p. 24)
Torto Arado coloca ênfase nas figuras femininas, atentando como os seus corpos continuam a registar marcas do domínio violento exercido pela sociedade patriarcal. Em simultâneo, denuncia-se os abusos dos senhores das roças sobre aqueles que trabalham a terra e vivem do pouco que conseguem retirar para si: «Mas as batatas do nosso quintal não são deles», alguém dizia, «eles plantam arroz e cana. Levam batatas, levam feijão e abóbora. Até folhas pra chá levam. E se as batatas colhidas estiverem pequenas fazem a gente cavoucar a terra para levar as maiores» (p. 46). A isto acresce uma nota de magia graças aos poderes de Zeca Chapéu Grande, o pai das duas irmãs, um curador de jarê, que tem o dom de curar a saúde do espírito e do corpo dos aflitos, dos doentes, dos necessitados que chegam a sua casa e por lá ficam durante semanas.
Itamar Vieira Júnior nasceu em Salvador, Bahia, em 1979. É escritor, geógrafo e doutorado em Estudos Étnicos e Africanos (UFBA).
Nesta 10.ª edição, o Prémio LeYa contou com 348 originais provenientes de 13 países. Portugal e Brasil são aqueles de onde provém a maioria dos originais avaliados, tendo chegado obras de países tão diversos como Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, China ou Islândia, entre muitos outros. Com o valor de 100 mil euros, o Prémio LeYa é o maior prémio literário para romances inéditos de todo o mundo de língua portuguesa.
O escritor estará presente no próximo dia 6 de Junho, quinta-feira, na Biblioteca Municipal Sophia de Mello Breyner Andresen, em Loulé, para a apresentação do livro pelas 18h. A apresentação da obra estará a cargo da Professora Doutora Mirian Tavares.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.