Nascido na Foz do Douro a 12 de Março de 1867, Raul Brandão é um autor quase esquecido apesar de ser um dos grandes nomes da nossa literatura, especialmente por aliar a modernidade no trabalho sobre a linguagem, contemporâneo de James Joyce ou Virginia Woolf, à metafísica e à existencialidade do Homem.
Felizmente, a Revista Estante da Fnac mediante um júri de 5 elementos nomeou Húmus como uma das 12 melhores obras da literatura nacional dos últimos 100 anos, e este ano foram ainda publicadas pela Quetzal as Memórias do autor. Celebram-se este ano 130 anos sobre a data de nascimento de Raul Brandão, o que parece justificar o lançamento no passado mês de Abril pela Ponto de Fuga desta bela e cuidada edição de O Pobre de Pedir (onde não faltam fotografias) que inclui um elucidativo prefácio do autor açoriano João de Melo, onde está bem patente a sua admiração por este mestre da linguagem que aliás parece ter influenciado a sua própria escrita e onde, talvez porque narram as suas ilhas, não deixa de tentar justificar que acha As Ilhas Desconhecidas uma obra rival «em qualidade e inovação» a Húmus. Segue-se uma apresentação do editor, onde se incluem excertos de cartas, e se explana que esta foi a derradeira obra do autor, escrita em cerca de 3 meses, sendo que não terá havido, infelizmente, tempo para revisões pelo próprio. A edição aqui apresentada de uma novela há muito ausente das livrarias procura restituir o texto à sua forma original, ignorando alterações ao manuscrito introduzidas pela devota esposa do autor, Maria Angelina Brandão, que na sua maioria não tinham «razão ou critério objetivo». Sem querer apresentar o original de 1931 com as suas variantes fastidiosas notas de rodapé, a presente edição procura «apresentar o mais fielmente possível o conteúdo do manuscrito, atualizando a ortografia e corrigindo apenas gralhas evidentes».
Escreve João de Melo que O Pobre de pedir mantém uma «estrutura fragmentária» e o «monólogo interior», numa «dualidade típica» recorrente à escrita do autor. São duas histórias paralelas, narradas na primeira pessoa, onde se confronta a natureza íntima do homem com a sociedade, e tudo é questionado, em especial a efemeridade da vida e a morte, como signo omnipresente no universo brandoniano, sendo que a obra ganha ainda mais sentido se considerarmos que o autor esperava já esse ocaso conforme lutava por terminar o seu manuscrito.

print
Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.