Numa cidade nunca designada, onde existem grandiosas torres e parques exuberantes, mas onde as fachadas dos prédios vivem cada dia como se tivesse o peso de dez anos, onde há um recolher obrigatório, postos de controlo e as janelas são partes da casa a evitar, pois a qualquer momento podem explodir e desfazer-se em múltiplos projécteis mínimos de vidro ou deixar entrar alguma bala, Saeed conhece Nadia e apaixonam-se.
A partir da fórmula “rapaz conhece rapariga”, assistimos ao eclodir da guerra civil, às restrições acrescidas à plena vivência deste amor juvenil, até que a única esperança parece mesmo ser Saeed e Nadia ganharem coragem de modo a deixar para trás o mundo que conhecem e a família que lhes resta para escaparem por uma de entre as várias portas que se diz existir pela cidade, pois ao contrário das janelas, a «fronteira através da qual a morte tinha maiores probabilidades de chegar» (p. 64), as portas podem trazer a salvação.
O romance ganha aí contornos mais próximos do realismo mágico, pois os refugiados aqui não partem dentro de barcos mas sim através de portas «nas quais a maioria das pessoas parecia agora acreditar» que os levam aos recantos mais inesperados nas várias capitais do mundo e que «estavam a ser debatidas pelos líderes mundiais como uma grande crise global» (p. 77).
Um pouco ao jeito de José Saramago, esta breve narrativa, que se lê de um fôlego, estende-se em frases extensas, onde a ironia também tem parte activa, e o fantástico serve para extrapolar a realidade e delinear as possibilidades da história, narrando o terror de viver num país em conflito, o impacto das vagas de migrantes, os campos de contenção construídos nos arredores das cidades, e as revoltas dos nativistas contra os migrantes.
Mohsim Hamid nasceu em Lahore, no Paquistão, e viveu em Londres, Nova Iorque e na Califórnia. Os seus livros são bestsellers, alguns adaptados ao cinema, nomeados para o Man Booker Prize, vencedores ou finalistas de vários prémios e estão traduzidos para 35 línguas. Considerado como um dos melhores livros de 2017 para a Time e o The New York Times, este livro publicado pela Saída de Emergência (curiosamente, a lembrar as portas de escape dos refugiados) cabe no rol dos melhores romances publicados em 2018.
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