O último comboio para a Zona Verde – Do coração de África até Angola, O meu último safari, de Paul Theroux
Regressado a África 10 anos depois da sua última visita, Paul Theroux aproveita para visitar os bairros pobres da Cidade do Cabo, não numa «pornografia da pobreza», similar ao «turismo de bairro de lata» da Índia e América do Sul, mas para verificar se houve de facto desenvolvimento nos bairros que conheceu antigamente e que foram recebendo ajudas externas. A sua ideia é partir da Cidade do Cabo, atravessar a Namíbia e chegar ao Norte de África, mas o que encontra em Angola é tão brutal que acaba por desistir da viagem. O autor apresenta África, esse «continente infestado de conselheiros estrangeiros», em toda a sua crueza, desde a instabilidade política que ainda se vive na África do Sul pós-apartheid, apesar de líderes políticos ainda cantarem hinos como «Disparem sobre o boer», sendo depois apoiados por vedetas como o Bono dos U2 que compara essa música às canções populares da Irlanda do Norte, até ao facto de os países continuarem a sugar ajudas externas vindas de almas caridosas – do mundo do cinema ao das organizações internacionais -, o que só inviabiliza, segundo Theroux, que as economias se possam sustentar de modo autónomo, sem propriamente querer criticar a caridade mas considerando que muitos desses gestos são mal orientados. Deixo aqui a sua introdução à Namíbia, país que me preparo para atravessar a partir de amanhã, mais ou menos seguindo a peugada deste autor:
«A Namíbia – um país grande, com pouca população e formado sobretudo por deserto árido e pedregoso – recebe a atenção de muitos americanos caridosos. Só existe uma cidade no país, e não é propriamente uma cidade: Windhoek, a capital, tem duzentos e cinquenta mil habitantes. É do mesmo tamanho que Newark, Nova Jérsia, e posso acreditar que muitos visitantes de Newark a Windhoek fazem a viagem com a ideia de dizer aos locais como devem viver.
De facto, Newark e Windhoek enfrentam alguns problemas semelhantes. Ambas as cidades lutam para manterem programas de literacia e reduzirem a probreza e o desemprego. Há uma diferença: o número de alunos que terminam o ensino secundário é maior em Windhoek do que em Newark (…). Os arredores de Windhoek são perigosos, sim, e, embora se cometam menos homicídios do que em Newark, há o dobro dos roubos e três vezes mais assaltos. Os windhoekianos são, no entanto, ostensivamente mais delicados. Windhoek possui um clima mais ameno do que Newark e tem acesso a minas de diamantes. Não fica longe de uma costa impoluta e e há manadas de leões e de elefantes que vagueiam nas redondezas. As ruas de Windhoek também são mais limpas do que as de Newark.» (pp. 109-10).
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