Já li praticamente toda a sua obra (falta-me Mães e Filhos, e New Ways to kill your mother, que intuo estarem bastante ligados a este seu último romance). Já tinha visto o livro à venda mas como as leituras a fazer são tantas evito comprar livros em inglês, porque apesar de tudo os originais levam-me mais tempo e porque são bastante caros onde vivo. Depois consegui ver o filme Brooklyn, adaptação do seu último romance, que também me tocou muito – o filme é belíssimo também e comovente sem raiar o melodramático e o xaroposo. Resumindo acabei por sentir cada vez mais vontade de comprar o seu último livro que aliás já saiu o ano passado, pelo que há quase dois anos que aguarda tradução, o que começo a achar inquietante por parte da Bertrand (a não ser que tenha sido tomado por outra editora).
Passando ao livro em questão: à semelhança de Brooklyn, a escrita deste autor, considerado aliás um dos expoentes da literatura irlandesa, é extremamente contida, despojada de qualquer vaidade ou de ornamentação. A história começa imediatamente a seguir à morte do marido de Nora, nunca sabemos exactamente o ano ou o momento em que a acção decorre, pouco sabemos sobre o que aconteceu a Maurice e numa sequencialidade bastante simples, quase seca, vamos seguindo o retomar do quotidiano desta viúva, num registo tão “monótono” como: Nora fez chá, deu um gole, pousou a chávena, recostou a cabeça. Contudo o livro prende desde o início, e mesmo estando eu em ambiente de férias de praia que normalmente requerem-me leituras mais leves, não o consegui pousar nem nunca me aborreceu a tensão lenta da intriga.
A cena inicial do livro é emblemática, em que Nora se prepara para receber mais uma visita que fez questão de apresentar as suas condolências apenas depois das pessoas se começarem a retirar da vida da Nora, enquanto um vizinho assiste ao momento da chegada desta nova visita e opina ele próprio que as pessoas irão sempre continuar a procurá-la com mais uma história ou mais palavras de conforto. O próprio vizinho aliás continua lá, a rondá-la, quando tudo aquilo por que ela realmente anseia é estar a sós. Mas Nora nunca sucumbe à dor da perda, aliás sentimos sempre, pela falta de analepses, que ela faz por tudo para esquecer o marido e seguir em frente, como quando vende a casa de férias – se bem que também por necessidades económicas. E Nora faz questão de viver essa sua recém adquirida independência, sem querer que ninguém se intrometa na sua vida – quando na verdade todas as pessoas que por ela passam a conhecem a si e à sua história, pois falamos de uma pequena aldeia, não muito perto de Dublin. Nora tem quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas, e inclusivamente nem os filhos consulta aquando das decisões que toma, da mesma forma que nunca testemunhamos conversas com eles sobre o pai que perderam. Nora parece quase fria na sua dignidade (mais à frente leremos aliás que ela não é considerada uma pessoa fácil e que só parece ter suavizado quando conheceu Maurice) e na sua resolução de encaminhar a vida para a frente, por muito que lhe custe – terá também de voltar a trabalhar, se bem que inesperadamente o estado a apoie constantemente, e com retroactivos, devido a novas políticas de apoio às viúvas. Só muito mais à frente é que percebemos que o ano em que se passa a acção é 1969, aquando da chegada do homem à Lua. E mais no final percebemos que as 300 páginas do livro seguem os seus 3 últimos anos, após a morte do marido.
No final há um desfecho bastante intrigante e não propriamente deslindado em que o luto e a dor que Nora tanto tentou recalcar acaba mesmo por se impôr na forma de um fantasma, de forma a que a personagem tenha mesmo de resolver a dor das pessoas que perdeu na sua vida e seguir decididamente em frente, com a paixão que entretanto descobriu, a do canto e da música clássica.
Espero não ter deixado demasiados spoilers e aconselho vivamente a leitura.
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