Marion Zimmer Bradley nasceu em Albany, no estado de Nova Iorque, a 3 de junho de 1930. Começou a escrever ainda em adolescente como forma de subsistir economicamente. Fundou uma revista para amadores de ficção científica aos dezassete anos de idade. Em 1949 casou com Robert Alden Bradley e apresentou uma história a um concurso da revista de ficção científica Fantastic/Amazing Stories, o que constituiu a sua primeira venda. Em 1952, passou a escrever profissionalmente para várias revistas e, depois de 1958, obteve algum reconhecimento ao publicar o primeiro romance da série Darkover. A série, que viria a totalizar vinte volumes, conta a história de um planeta descoberto nos finais do século XXI e colonizado pelos habitantes da Terra. Nesse cenário cruza-se um ambiente medievalizante, com torres, castelos, nobres e falcoeiros, em simultâneo com poderes telepáticos e naves espaciais.

As suas histórias de ficção científica, do chamado ciclo Darkover, bem como a sua restante obra, foram publicadas em Portugal pela Difel (em português só se encontram publicados uns seis volumes).

A autora reorientou-se depois da ficção científica para o género da fantasia. A Casa da Floresta e Senhora de Avalon são obras, bem como muitas outras que se seguiriam, que seguem um cunho feminista (aliás a autora participou em movimentos na época). O universo ficcional é o de Avalon, essa ilha apartada da Bretanha por um véu de magia. Enquanto o resto do país é ocupado pelos romanos esse reduto tenta manter viva a magia da tradição druídica. As protagonistas femininas irão aliás ressurgir noutros romances, como se as várias personagens da galeria de Marion Zimmer Bradley não fossem mais do que a reencarnação da mesma figura feminina: uma jovem que se tornará uma mulher sábia e uma sacerdotisa ao serviço da Deusa.

Em 1983 publicou a sua obra mais conhecida que se tornou um êxito mundial de vendas: As Brumas de Avalon. Esta fantástica recriação das lendas arturianas é feita sob a perspetiva de mulheres: Viviane, Gwenhwyfar , Morgana e Igraine. Em Portugal a obra foi dividida em quatro livros num mau hábito editorial que tem vindo a ser usual. Assim um só romance foi dividido em quatro volumes distintos: A Senhora da Magia, A Rainha Suprema, O Rei Veado e O Prisioneiro da Árvore.

A história começa com a ascensão de Uther Pendragon. Através da sua sacerdotisa Viviane, Avalon conspira para unir Uther a Igraine. Será dessa aliança que nascerá Arthur, a criança que salvará o reino da Bretanha. Morgana, dotada com o poder da Visão, é levada por Viviane para Avalon onde receberá treino como sacerdotisa da Deusa, enquanto assiste ao despertar das tensões entre o velho mundo pagão e a nova religião cristã. As reviravoltas e peripécias ao longo da obra são diversas, mas aqui a guerra e as gestas de cavalaria ocupam muito menos espaço do que os triângulos amorosos que se tecem entre vários vértices e independentemente da sexualidade das personagens, pois o amor e a camaradagem suplantam as questões de género. Um dos triângulos é formado por Artur, Lancelote e Gwenhwyfar – chegando mesmo a haver envolvimento físico entre o próprio Artur e Lancelote, num inesperado e assombroso trio. Outra das ligações é a de Morgana e Artur. O amor de Morgana pelo seu meio-irmão acalenta algum desejo, havendo aliás um envolvimento físico entre os dois, sem que na altura estejam conscientes de quem é o outro, pois tinham sido separados na infância.

É particularmente curiosa a forma como a dualidade da mulher ao longo da própria cultura medieval é aqui retrabalhada: a mulher que tanto pode ser vista como anjo ou como demónio, em função do desejo e da sua correspondência ou retribuição ao amor que os homens lhe têm, encontra a sua mais absoluta expressão em Morgana. Para uns é considerada uma fada, uma criatura encantada, uma mulher sábia, enquanto é temida por outros como bruxa e demoníaca. Este livro foi igualmente adaptado ao pequeno ecrã, pois pelo menos em Portugal não passou nas salas de cinema, em que Morgana é protagonizada por Julianne Margulies (hoje bastante conhecida pela série The Good Wife).

Em 1987, repetiu a proeza de recontar uma história sobejamente conhecida a partir da perspetiva menos convencional e novamente através da irmã do protagonista. Refiro-me à obra Presságio de Fogo, em que o universo da Ilíada é revisitado, e se reconta a história da Guerra de Tróia sob a perspetiva de Cassandra, a irmã de Páris, o mesmo que raptou a bela Helena cujo rosto fez milhares de navios lançarem-se ao mar. Cassandra é outra personagem fortíssima que nos conduz pelo universo da Antiguidade Grega, mas ofertando-nos uma visão completamente diferente pelos olhos de uma personagem de quem se conhecia até então muito pouco. Neste romance, Cassandra é uma sacerdotisa que vive no templo de Apolo e desde criança que prevê a destruição da cidade. É finalmente rotulada como doida e é excluída da corte. Até ao dia em que o irmão traz efetivamente a desgraça para dentro das muralhas de Tróia. Fala-se aliás em complexo de Cassandra quando alguém não é levado a sério apesar de dizer a verdade.

Outro universo mítico revisitado pela autora foi o de Atlantis: A Queda da Atlântida conta a história de duas irmãs e de como se viveram os últimos dias dessa mítica ilha. As Mulheres da Casa do Tigre é outro livro de fantasia surpreendente em que três mulheres da realeza vivem as mais diversas aventuras, assumindo máscaras que as fazem passar despercebidas por entre a população comum do seu reino.

Outro ciclo da autora, situado em tempos mais recentes, é constituído pelos romances: O Círculo de Blackburn, As Forças do Oculto, A Fonte da Possessão e O Coração de Avalon. Temos quase sempre uma jovem que parece viver sob o fenómeno da possessão: à sua passagem aparelhos elétricos avariam-se, objetos estilhaçam-se e aparecem cadáveres de animais à porta. Mais direcionados para uma nova leva de fãs da fantasia e da ficção contemporâneas, existe no entanto ainda um retorno ao universo de Avalon, em O Coração de Avalon, onde o leitor pode mesmo encontrar uma passagem que ilustra como estas personagens modernas trazem ainda a memória das suas vidas nesse tempo.

Sucederam-se diversas obras no campo da fantasia, tanto ligadas a Avalon, como os mais recentes Os Corvos de Avalon e A Espada de Avalon, livros publicados já postumamente e que remontam ao universo pré arturiano. No entanto estes livros parecem já não ter sido escritos pela autora, embora possam ter sido projetados por ela em conjunto com a autora que igualmente os assina, Diana L. Paxson.

Salto Mortal é uma obra mais singular mas notável, enquanto romance de grande fôlego que conta a história de amor entre dois trapezistas de circo.

Marion Zimmer Bradley faleceu quatro dias após ter sido vítima de um ataque cardíaco, em Berkeley, a 25 de Setembro de 1999. Foi casada duas vezes e teve dois filhos. Morava em Berkeley, na Califórnia.

print
Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.