O Lugar das Coisas Perdidas, o segundo romance de Susana Piedade, publicado pela Oficina do Livro, segue-se a As Histórias Que não Se Contam, finalista do Prémio Leya 2015.
Numa vila do Norte, onde há não muitos anos caiu uma ponte, dá-se uma catástrofe que faz o lugar estremecer «como um sismo» (p. 82) quando Alice, com 8 anos, desaparece a caminho da escola. E essa vila sem nome (ainda que a possamos associar a Entre-os-Rios), que «parecia inabalável na sua quietude provinciana» (p. 39), é abalada pelo desaparecimento da menina, tragédia cujo impacto toca todos os vizinhos e revolve até segredos de décadas.
«O dia começou por ser igual aos outros nas pequenas coisas.» (p. 19)
Contudo a manhã em que Alice, a filha de Mariana, desaparece, demarca-se também como um dia invulgar na rotina de muitos dos habitantes, conforme certos acontecimentos desenterram segredos há muito reprimidos, e o leitor é subtilmente guiado num labirinto de pistas e indícios que podem apontar o verdadeiro culpado. Ou talvez nenhum dos habitantes daquele lugar esteja completamente inocente…
Escrita límpida, despretensiosa, embora contenha frases lapidares que ficam a ressoar – algumas delas ecoam como um refrão («Algumas pessoas são tempestades»), surgindo nos primeiros capítulos e depois mais próximo do fim. Vislumbra-se uma ironia tímida na narrativa, mas mais vincadamente perto do fim do romance, até porque estas crianças perdidas não se resumem a uma só história: «Tirava o telemóvel da carteira, punha os óculos, partilhava uma fotografia da neta nas redes sociais, vejam que bonita, recebia logo um Gosto, depois uma série deles, estalavam que nem pipocas, enquanto se inclinava para deitar o olho ao balouço onde a miúda se sentara momentos antes.» (p. 233)
Ainda que a revelação final seja tão esperada como irresolvida, a autora interliga magistralmente as pequenas histórias de cada uma das personagens que contornam o drama de Mariana com a tensão narrativa própria de um romance policial, numa leitura vibrante que se quer de um fôlego (eu pelo menos li-o num dia).

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.