No dia 13 de maio de 1506 Miguel Ângelo desembarca em Constantinopla com o encargo de projectar uma ponte que atravesse o Corno de Ouro.

Baseado em factos reais, com inclusão de cartas e entradas de um “diário de listas”, este livro narra como poderão ter sido esses dias em que o grande poeta florentino entra na Porta, de alguma forma afastado pelo Sumo Pontífice que lhe encomendara o seu túmulo, incumbido de conceber uma ponte. Mas mais do que isso, este livrinho que tão bem e tão rápido se lê, onde as frases são cinzeladas de modo perfeito, faz-nos compartilhar das preocupações do artista, das mais mundanas às mais artísticas, e revela como o próprio artista bebeu afinal da cultura oriental do centro do império otomano para as obras que ainda viria a conceber, como a cúpula de Santa Sofia que virá a inspirar a basílica de São Pedro, mas que por sua vez lembra São Marcos.

Mas esta é também uma história que versa a impossibilidade de se criarem pontes com o Outro: Miguel Ângelo teme o momento em que o Santo Papa descubra que ele está na terra do inimigo, da mesma forma que o Oriente não percebe porque o Sultão convida um infiel para projectar aquela obra; o poeta ama o pintor, o pintor sente quase retribuir esse sentimento do poeta mas deseja esse dançarino que não se sabe se é homem ou mulher – apesar de ser a sua voz que narra, em alguns momentos, a proximidade desse corpo estendido a seu lado na cama apesar de estarem separados pela barreira da linguagem.

Uma escrita elegante, uma história que levanta várias pontas, uma reflexão sobre a arte e a humanidade do artista, uma capa belíssima, uma sóbria tradução de Pedro Tamen, uma narrativa soberba que entretém uma bela tarde de chuva.

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Paulo Nóbrega Serra
Written by Paulo Nóbrega Serra
Sou doutorado em Literatura com a tese «O realismo mágico na obra de Lídia Jorge, João de Melo e Hélia Correia», defendida em Junho de 2013. Mestre em Literatura Comparada e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, autor da obra O Realismo Mágico na Literatura Portuguesa: O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge e O Meu Mundo Não É Deste Reino, de João de Melo, fruto da minha tese de mestrado. Tenho ainda três pequenas biografias publicadas na colecção Chamo-me: Agostinho da Silva, Eugénio de Andrade e D. Dinis. Colaboro com o suplemento Cultura.Sul e com o Postal do Algarve (distribuídos com o Expresso no Algarve e disponíveis online), e tenho publicado vários artigos e capítulos na área dos estudos literários. Trabalhei como professor do ensino público de 2003 a 2013 e ministrei formações. De Agosto de 2014 a Setembro de 2017, fui Docente do Instituto Camões em Gaborone na Universidade do Botsuana e na SADC, sendo o responsável pelo Departamento de Português da Universidade e ministrei cursos livres de língua portuguesa a adultos. Realizei um Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas e uma pós-graduação em Ensino Especial. Vivi entre 2017 e Janeiro de 2020 na cidade da Beira, Moçambique, onde coordenei o Centro Cultural Português, do Camões, dois Centros de Língua Portuguesa, nas Universidades da Beira e de Quelimane. Fui docente na Universidade Pedagógica da Beira, onde leccionava Didáctica do Português a futuros professores. Resido agora em Díli, onde trabalho como Agente de Cooperação e lecciono na UNTL disciplinas como Leitura Orientada e Didáctica da Literatura. Ler é a minha vida e espero continuar a espalhar as chamas desta paixão entre os leitores amigos que por aqui passam.